Sobre explorar os bosques misteriosos de Mansfield Park (e da vida): uma resenha sobre o meu livro menos favorito de Jane Austen

Eu nunca gostei muito do romance Mansfield Park. Quando reli o livro pela segunda vez, para o nosso projeto de leitura coletiva Na trilha da Jane, decidi encontrar respostas para essa pergunta que não saía da minha cabeça: “O que Mansfield tem de diferente dos outros livros da Jane Austen que tanto me incomoda”?

Na história, a protagonista Fanny Price aos nove anos é adotada por seus tios ricos e passa a viver com a família Bertram – o casal e os seus quatro filhos – em Mansfield Park. A heroína não tem nenhuma atributo excepcional ou personalidade forte, como Emma Woodhouse, de Emma,  ou Elizabeth Bennet, de Orgulho e Preconceito. Fanny passa a vida à serviço da tia, Lady Bertram, sente-se inferior aos primos e também é constantemente atormentada por Mrs. Norris. É quieta, tímida, sofre em segredo por causa de seu amor pelo primo Edmund.

Eu sempre detestei Fanny Price por ser tão passiva frente aos acontecimentos e por sofrer calada com as injustiças que lhe faziam.

Mas ao reler a obra, passei a me questionar: Será que eu não gosto da Fanny porque invejo seu autocontrole? Por sua forma de analisar com clareza as situações e interesses humanos? Ou por fazer algo que está cada vez mais raro nos dias de hoje – doar-se e pensar nos outros em primeiro lugar? Na verdade, ser forte não significa que precisamos dizer frases espirituosas. Podemos demonstrar coragem nos pequenos atos, ao nos manter firmes em nossos ideais e convicções, como quando Fanny rejeita o Mr. Crawford.

Acho que o que me incomoda mesmo em Mansfield Park é que Jane Austen nos trouxe uma protagonista que sofre os dilemas de uma vida comum: não é rica, está aprendendo a lidar com as máscaras e interesses da sociedade, gosta da quietude e de caminhar em meio à natureza, está apaixonada por um homem que gosta de outra mulher, tem dificuldades de se expressar em público. Quando nos identificamos com personagens, muitas vezes buscamos aquelas que têm qualidades que admiramos, que ressaltam nossos pontos fortes. Mas com Fanny, Austen faz exatamente o contrário: escancara as fragilidades do que é ser humano, mostra-nos as alegrias e as dores de sentir em demasia, relembra-nos que não temos controle sobre as ações dos outros. Não é fácil encarar na protagonista as nossas próprias vulnerabilidades. É como se estivéssemos nos encarando nus em frente a um espelho.

Percebi que Fanny é uma gigante em sua timidez, pois na história temos acesso à confusão de seus sentimentos conflitantes, à firmeza de seu caráter, à complexidade do que é ser humano. Eu ainda não gosto muito de Mansfield Park. Enfim, não é fácil assumir as próprias fragilidades, como nos mostrou Fanny. É preciso de uma boa dose de coragem. Essa obra é um tanto mais sombria que as outras de Austen, mas não deixa de ser um romance magistral. Explora na linguagem irônica da escritora os dramas humanos e nos ensina sobre rejeições, jogos de interesses, amor e tudo o mais que envolve o sentir em toda a sua intensidade.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.