Varsóvia, sobre resistência

Hoje é um dia importante para a história de Varsóvia. Há 74 anos, no dia 1º de agosto de 1944 eclodia o Levante de Varsóvia (Powstanie Warszawskie), o último movimento de resistência da cidade frente à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A revolta fazia parte de uma estratégia nacional denominada Operação Tempestade (Akcja Burza) organizada pelo Governo Polonês, que encontrava-se exilado na Inglaterra, em conjunto com o Exército Nacional (Armia Krajowa – AK) – o exército clandestino da resistência polonesa.

O Levante de Varsóvia teve início às 17:00 horas, a denominada “Hora W” – W de wybuch (explosão) ou walka (luta). Todos os anos, nessa hora, a cidade para durante um minuto, em homenagem a todos aqueles que lutaram e deram suas vidas pela sua liberdade e soberania. Quem está passando por Varsóvia e não está familiarizado com a história pode se assustar um pouco. Nessa hora, soam sirenes, buzinas e sinos. O transporte público para. Bandeiras são hasteadas nas ruas e muitas pessoas vão até os locais importantes relacionados ao Levante para acender velas e deixar flores.

Inicialmente, estimava-se que a revolta duraria poucos dias, pois os poloneses contavam que receberiam o auxílio das tropas soviéticas que encontravam-se a poucos quilômetros de Varsóvia. No entanto, o exército russo parou antes de cruzar o rio Vístula e apenas assistiu as batalhas de longe, sem envolver-se na luta. O Exército Nacional AK contava com aproximadamente 30 mil soldados. Não possuía, porém, armamento adequado e em quantidade suficiente. Grande parte dos soldados eram jovens que lutavam pela primeira vez, sem nenhum tipo de treinamento. Até mesmo mulheres lutaram e crianças ajudaram na entrega de correspondência clandestina. Nessas condições, as chances de vitória eram praticamente nulas. Os soldados poloneses conseguiram recuperar algumas áreas durante um curto período de tempo, mas, no final, a resistência foi uma luta brutal, desesperada e solitária.

Monumento do pequeno insurgente (Pomnik małego powstańca)

Varsóvia resistiu por 63 dias. Em 2 de outubro de 1944 as forças polonesas renderam-se. As perdas humanas dessa insurreição vieram a somar-se com aquelas da Revolta do Gueto de Varsóvia em 1943, uma luta desesperada para sobreviver, quando os alemães iniciaram o transporte dos moradores do bairro judeu para os campos de concentração. Após a rendição das forças polonesas de resistência, as tropas nazistas demoliram sistematicamente a cidade, quarteirão a quarteirão, desrespeitando os termos da capitulação. Hitler queria que a aniquilação de Varsóvia fosse um exemplo para o resto da Europa.

A cidade foi arrasada e os acervos de bibliotecas e museus levados para a Alemanha ou queimados. Edifícios públicos e monumentos de inestimável valor cultural foram destruídos por tropas alemãs especialmente designadas para isso, nas quais houve a participação de historiadores de arte alemães assessorando os militares na seleção do que seria destruído. Após esses últimos ataques, 85% da cidade havia sido destruída. Em setembro de 1939, antes da invasão pelas tropas alemãs, viviam em Varsóvia 1,3 milhões de habitantes. Após o colapso do Levante de Varsóvia, restaram na cidade em ruínas menos de 1000 habitantes.

O registro de testemunhas que presenciaram o Levante de Varsóvia mostram o terror desses dias. Muitas dessas testemunhas eram pessoas que ficaram feridas entre os inúmeros corpos caídos no chão e se passaram por mortas esperando uma chance para escapar. Aqueles que davam qualquer sinal de vida eram no ato baleados. Os soldados nazistas ateavam fogo nas casas para retirar os insurgentes de seus esconderijos. As execuções públicas eram comuns. Durante a noite uma pilha de corpos eram queimada e no dia seguinte o edifício próximo era demolido cobrindo os cadáveres assassinados, assim como o local de execução, apagando qualquer traço do que havia acontecido. Quando havia conflitos diretos com os insurgentes de Varsóvia, os alemães utilizavam os civis como escudo para defender-se impedindo qualquer ataque.

Para quem se interessar em conhecer mais sobre esse tema, o Museu do Levante de Varsóvia (Muzeum Powstania Warszawskiego) é uma experiência imprescindível e de grande impacto. O acervo do museu foi criado em grande parte a partir de doações das pessoas envolvidas com a revolta, o que traz uma grande carga emotiva em depoimentos, objetos e fotos. Além disso, a curadoria é impecável e apresenta uma exposição interativa e extremamente envolvente, em que é possível até mesmo simular como os insurgentes se escondiam no encanamento da cidade! Para quem está longe de Varsóvia, o museu possui muito material e informações disponíveis no site (tem versão em inglês). É possível assistir também o trailer do curta-metragem Cidade em ruínas (Miasto ruin), disponível em 3D no museu, que mostra Varsóvia logo após o Levante a partir de uma vista aérea.

O vídeo abaixo mostra um pouco do que acontece hoje em Varsóvia na “Hora W”.

E por último deixo aqui o trailer de um filme mais contemporâneo, Miasto 44 (Warsaw 44), que retrata os dias de luta durante o Levante de Varsóvia.

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Written by Ca Amatti
Ca Amatti é arquiteta restauradora, apaixonada pelos edifícios antigos, por viagens e artes gráficas. Tem saudades do futuro, mas ama os vestígios do tempo no mundo. Atualmente reside em Varsóvia, protegendo velhos palácios e monumentos dos efeitos devastadores do tempo e do esquecimento.