Sobre segundas chances, conheça Persuasão, obra atemporal de Jane Austen
Persuasão é o último romance escrito por Jane Austen, publicado postumamente no final do ano de 1817. É um romance sobre a passagem do tempo, sobre as impermanências da vida e sobre aquelas certezas que nunca nos abandonam. É possível um amor sobreviver ao tempo, à distância, aos atritos familiares e ao orgulho ferido? Nessa obra, Jane Austen explora os efeitos do tempo sobre o caráter, os sentimentos e o amor.
A narrativa sobre a vida de Anne, a irmã mais nova da família Elliot, se inicia a partir da necessidade de uma mudança. Em meio às dificuldades financeiras geradas pelo estilo de vida do pai e da irmã mais velha, a família Elliot se vê forçada a deixar a sua propriedade senhorial de Kellynch Hall. Entretanto, antes de seguir com eles para a cidade de Bath, Anne passa uma temporada junto à sua irmã do meio, Mary, e à animada família de seu cunhado, os Musgrove.
Toda a agitação da intensa vida social desse período, contudo, se sobrepõe a uma dura narrativa do passado – a da jovem Anne Elliot que, por influência de uma amiga, renunciou ao seu grande amor por Frederick Wentworth. Esse passado é a todo momento trazido à tona justamente pelo retorno de Frederick, agora como Capitão Wentworth, oficial a serviço da marinha britânica.
Se sentimentos antigos seriam renovados, certamente seriam, antes de mais nada, colocados à prova. “Forçada a ser prudente quando jovem, ela havia aprendido a ser romântica ao envelhecer: a sucessão natural de um início nada natural“. Seria possível que Anne ousasse amar novamente, mesmo sendo evitada por Frederick, que claramente demonstrava interesse pelas irmãs de seu cunhado?
É interessante notar que ao longo do romance Jane Austen utiliza o verbo persuadir em inúmeras ocasiões. Não só no sentido de alguém persuadir ou pressionar outra pessoa a mudar de idéia, mas também como verbo intransitivo: quando alguém é persuadido de algo, como quando Anne, refletindo sobre a sua decisão, está convencida de que mesmo contra todas as desvantagens e desaprovação familiar, ela ainda assim teria sido mais feliz mantendo o noivado com Frederick Wentworth.
Em muitos momentos da história é como se Anne estivesse à espera de algo, como se tentasse ler nas frases e comportamentos dos outros seus verdadeiros sentimentos e intenções. Ou talvez esse aparente isolamento fosse apenas uma tentativa de esconder de si mesma seus próprios sentimentos, como nas reuniões na casa da família Musgrove, onde enquanto todos dançavam alegremente, Anne preferia sentar-se ao piano até o final da festa. E que levante a mão quem nunca se sentiu desconfortável ao assumir seus verdadeiros sentimentos.
A tensão de toda a trama é dada pelo discurso indireto dos personagens, pela impossibilidade de agir com naturalidade e pelo perpétuo estranhamento. Ela reside justamente nessa hesitação, nos silêncios, naquilo que não está dito, nessa tentativa de ler o sentimento do outro por meio de suas palavras e suas ações – uma leitura que nem sempre leva às conclusões corretas. Quem apaixonado já não passou por momentos de tentar decifrar a mensagem que o outro enviou: “ele viu minha mensagem, mas esperou duas horas para responder, o que isso significa?”
É verdade que Anne e Frederick poderiam ter nos poupado muitas páginas e semanas de angústia e esperanças se em seu primeiro reencontro, após o retorno dele para Kellynch Hall, tivessem tido uma conversa franca. Anne poderia ao invés de evitá-lo ter dito que ainda o amava e perguntado abertamente sobre seus sentimentos. Mas nesse caso, Jane Austen não teria nos mostrado seu profundo conhecimento dos meandros do coração humano.
É apenas quando Anne ousa falar em voz alta sobre o amor e Frederick deixa o orgulho e o ressentimento de lado que a trama chega à sua resolução. Acredito que antes de tudo, Persuasão é um romance sobre maturidade. É sobre perdoar, não só ao outro, mas antes de tudo a si mesmo. Acertar as contas com o nosso passado, aceitar o que o nosso eu de 7-8 anos atrás fez, perdoá-lo e seguir adiante sem medo, com entusiasmo e o coração aberto. Esta é a maior mensagem que vou levar de Persuasão comigo.
Linda resenha, Cami! Todos deveriam ler Jane Austen para aprender a refletir sobre seus sentimentos e ações, e assim viver melhor e mais intensamente.