Sobre anjos disfarçados

Em Okinawa, no Japão, existe um pequeno povoado de três mil habitantes que fica ao norte da ilha. O local é conhecido como a “aldeia dos centenários”, pois tem o maior índice de longevidade do mundo. Considerado como uma das zonas azuis do planeta pelo seu grande número de centenários, o povoado é foco de muitas pesquisas que buscam entender quais hábitos e costumes da população favorecem o alto índice de longevidade.

Após muitas investigações, os cientistas chegaram à conclusão de que dentre diversos aspectos do estilo de vida que potencializam os índices de longevidade, cultivar as amizades diariamente é um importante hábito dos moradores de Okinawa. Eles se reúnem todos os dias para tomar um chá, conversar e compartilhar histórias de seu cotidiano, mantendo esses círculos de amizades ao longo da vida.

Às vezes a gente esquece da preciosidade que é uma amizade quando estamos focados demais no trabalho e nos afazeres do cotidiano. Quando estamos ocupados demais nos lamentando, procrastinando nas redes sociais, reclamando de nossos problemas e até mesmo interagindo pelas redes sociais.

(Existe de fato uma interação quando estamos preocupados apenas em falar e falar e falar sobre nós?)

“Ei, pessoal, vamos marcar algo nessa semana”?

“Eu não posso. Eu tô ocupado. Eu tô atolado de trabalho. Eu tô cansada. Pena que não está dando certo de a gente marcar algo. Desculpa, eu só quero deitar no sofá e assistir alguma coisa no Netflix e procrastinar por horas a fio vendo feeds das redes sociais, me frustrando com as vidas aparentemente perfeitas que todo mundo posta por lá”.

“Quem sabe ano que vem a gente se vê”.

Quanto tempo nós já perdemos fazendo coisas sem importância ao invés de nos conectar de verdade, de cultivar a amizade diariamente como os moradores de Okinawa?

Nesse último fim de semana, em um encontro de amigos, não pude deixar de pensar em como essas reuniões são deliciosas, uma injeção de ânimo para o espírito. Amigos são esses anjos disfarçados que nos lembram de que não estamos sozinhos.

E, quem sabe, quando já estivermos bem velhinhos, as lembranças mais preciosas não vão ser da nossa riqueza, da nossa carreira, dos bens materiais que a gente adquiriu. Vão ser das experiências mais bobas, mais banais. Nossa verdadeira riqueza será lembrar desses pequenos e grandes momentos compartilhados com nossos amigos: uma caminhada, um duo no piano, a produção de uma torta de ruibarbo, uma viagem, um encontro em um café para simplesmente conversar sobre a vida. Para rir e chorar junto. Para comemorar conquistas. Para compartilhar angústias e medos.

Os vínculos de amizade são tão fortes que, mesmo que a gente encontre um amigo depois de anos (aquele amigo aventureiro que foi desbravar o mundo), a gente sabe e sente que nada muda. Amigos são almas que se comunicam sem precisar de palavras. Eles nos inspiram e tornam nossos dias mais intensos, mais leves, mais emocionantes.

Claro que a maioria de nós não vive em um pequeno povoado rural, como em Okinawa, e tem a possibilidade de encontrar esses anjos disfarçados todos os dias. Mas isso não pode nos impedir de cultivar as amizades que nos são preciosas com pequenos gestos e ações: um breve encontro para tomar um café, um telefonema, uma mensagem de afeto.

É engraçado porque, com o uso das redes sociais, nunca antes estivemos tão próximos uns dos outros. Mas também nunca antes as pessoas se sentiram tão solitárias. Porque cultivar uma amizade exige trabalho constante. Exige lidar com o que há de melhor e pior no outro (e na gente mesmo). Exige perdão. Exige prestar atenção e realmente se importar com o outro.

Amizade é um vínculo de amor e de afeto que nos pede empatia. Que a gente não esqueça de que a vida só vale a pena quando compartilhada.

Obrigada, queridos amigos, por tornarem meus dias mais leves e felizes!

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.