Razão e Sensibilidade: um dilema tão antigo quanto contemporâneo
De todas as personagens de Jane Austen, Elinor Dashwood sempre foi aquela que me falou mais perto ao coração. Desde a primeira leitura, há muitos anos, me identifiquei com o seu autocontrole, com a sua habilidade de se manter forte, mesmo quando se sentia extremamente vulnerável em seu interior. O título desse romance escrito por Jane Austen em 1811 – Razão e Sensibilidade – é, afinal, muito justo. Podemos dizer que cada uma das irmãs Dashwood representa um desses pólos.
Marianne, a mais jovem, é uma alma romântica e impulsiva. Ela ama a natureza e a autenticidade. Para ela, não há meio-termo. Se uma música, um poema ou uma paisagem são belos, ela os ama com todo o coração. Se são medíocres, não vê motivo para demonstrar por eles qualquer interesse. O mesmo vale para as relações sociais, onde a transparência e a sinceridade de Marianne a fazem ser vista muitas vezes como rude e indiferente. Esta postura diante da vida também se aplica ao amor. Para Marianne, nada poderia ser mais tedioso e inconcebível do que um amor calmo. Como um amor poderia ser sereno se toda a felicidade de uma vida depende dele?
O contraste entre as duas irmãs não poderia ser mais evidente. Elinor aprecia a moderação e é bem mais reservada ao expressar seus sentimentos. Ela faz o possível para ser educada e agir de acordo com as etiquetas sociais da época, mesmo diante de situações ou pessoas que ela preferiria totalmente evitar. Em momentos de tempestades afetivas, Elinor esforça-se para não se deixar levar pelas emoções e busca analisar com objetividade as circunstâncias, aceitando e adaptando-se a elas da melhor forma possível. Uma atitude que acaba muitas vezes sendo interpretada superficialmente por Marianne como uma certa frieza ou falta de sensibilidade por parte de sua irmã mais velha.
Jane Austen é realmente uma mestra da literatura ao retratar nessas duas irmãs uma tensão que percorre toda a história da arte, que se manifesta em seu período histórico no embate entre o Classicismo remanescente do século XVIII e o despertar do Movimento Romântico no início do século XIX. Austen começou a escrever Razão e Sensibilidade quando tinha apenas 20 anos e este foi seu primeiro romance publicado. Uma de suas obras mais amadas e conhecidas, o romance acaba por retratar, por meio dos costumes da época e comportamentos sociais, o choque dessas duas visões estéticas e de mundo – de um lado o formalismo, a ordem e a pureza clássicos; de outro, o exagero, as emoções e o arrebatamento românticos.
Mas o gênio de Austen não acaba aqui. Como feroz observadora da realidade e dos costumes, elas nos mostra como vida e arte se entrelaçam, mutuamente se influenciam e que, na verdade, ambas razão e sensibilidade são necessárias para o bom desfecho não só da jornada das irmãs Dashwood, mas de qualquer história.
Austen nos revela, por meio dos aprendizados de Marianne ao longo do romance, como o sentimentalismo exacerbado pode levar ao colapso nervoso e a um caminho de autodestruição. Por outro lado, o autocontrole e as exigências excessivas de Elinor em relação a si mesma acabam por criar um escudo, uma barreira para todas as emoções não expressas. E acho que todos sabem o que acontece quando a gente ignora por muito tempo o que está sentindo… A barragem que nos protegia vai se enchendo de fissuras, rachaduras, até que não consegue conter mais todo o sentimento represado, todas as palavras não ditas e as lágrimas retidas. Essa onda de emoções acaba então por explodir quando menos esperamos e geralmente nos momentos mais inoportunos.
Seja nos dramas e intrigas amorosas do início do século XIX ou na atribulada vida tecnológica do século XXI, nos identificamos com Austen ao perceber que o ideal é o caminho do meio, o equilíbrio entre essas duas forças tão poderosas. Precisamos da razão para manter nossos pés no chão e nos aterrar no momento presente. Mas também precisamos da sensibilidade para saber contemplá-lo, amá-lo e transcendê-lo. Precisamos da sensibilidade para dar valor ao tempo.
Além de tudo isso, Razão e Sensibilidade é um romance que fala sobre o poder de uma irmandade. Não importa que Marianne e Elinor tenham personalidades tão diferentes, elas se apoiam e se cuidam a todo momento, mesmo que não conseguem entender as atitudes uma da outra. Austen nos mostra como os laços entre irmãs são fortes e nos ajudam a superar qualquer desafio – seja um coração partido ou uma doença longe de casa.
Essa resenha encerra o ciclo de leituras Na Trilha da Jane, que iniciamos em setembro de 2019 e durante o qual lemos os seis principais romances da autora. Deixamos aqui o nosso agradecimento por você participar conosco desse projeto. E estamos curiosas para saber, com qual heroína você mais se identifica? Se você tiver qualquer crítica, sugestão ou observação em relação ao projeto, é só deixar nos comentários. Vamos adorar receber o feedback de vocês!
Finis