Casas que contam histórias

Papai dizia que namorava mamãe pela janela. E essas casas ainda existem. Eu vou te mostrar”, ele disse.

O avô leva a neta para conhecer as três casas. A primeira delas (quase octogenária) na rua Santos Dumont, número 318. Nonno nasceu naquela casa, em uma madrugada gelada de 1935. Com um portão branco na entrada e paredes amarelas, a construção não mudou nada durante esse tempo (pelo menos no exterior). Mantém-se firme e forte, mas agora com novos proprietários. Naquele pequeno castelo cheio de mistérios, o nonno viveu por 26 anos. Brincou. Chorou. Provavelmente levou bronca da mãe por alguma peripécia e aprontou todas. Uma casa em que viveu suas aventuras de olhos abertos.

A casa de número 318: um lugar cheio de histórias

E a história não termina aqui. O avô em seguida se dirige para uma rua de Olarias. Duas casas de madeira bem antigas. Centenárias. Uma de frente para a outra. Intactas. As construções eram dos avós do nonno.

Em uma, o muro não é o mesmo, mas o ranchinho ainda continua de pé.

“E está vendo aquela parte superior? Foi fechada com tábuas. Era um quarto. Decidiram fechar quando um irmão de papai cometeu suicídio”.

Vocês conseguem perceber o quarto ali escondido pelas tábuas e pela passagem do tempo?

E, virando-se para a outra casa, o avô também recorda:

“Nessa, o portão de ferro é novidade. E ali, naquela janela em que vemos as crianças, era o quarto do meu avô. Ele sempre ficava na janela, de olho no movimento da rua. Eu vivia aqui, brincando nas casas dos meus avós”.

É como se eu sentisse a presença de meu tataravô, espiando o movimento da rua pela janela

Naquela rua, a história de uma família inteira.

O que aconteceria se pelo menos uma das famílias não morasse ali? E se os pais do nonno não fossem vizinhos?

Pequenas coincidências, quem sabe, da vida cotidiana.

E nessas histórias extraordinárias está a confirmação de que a cidade guarda mais mistérios e fatos do que qualquer livro de História. Tramas mais insólitas do que a literatura. Imagens mais interessantes do que qualquer pesquisa no Google.

As casas centenárias são guardiãs da história: memória viva de uma comunidade. De um país. De uma civilização.

Quando uma casa está disponível para venda, ninguém se preocupa muito com a carga emotiva que a construção carrega.

“E a ventilação”?, pergunta um comprador.

“E a segurança”?, complementa outro possível proprietário.

E a pergunta mais importante, ninguém faz.

“Eles eram felizes aqui”?

“E as festas”?

“Alegria”?

“Amor”?

Que as casas centenárias possam ser redescobertas. Protegidas. Tombadas como patrimônio histórico do município, pois essas construções trazem um legado precioso para as futuras gerações: uma história que ninguém conta e que, ao mesmo tempo, é a que mais importa.

(Crônica premiada no Concurso Nacional de Crônicas da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa no ano de 2015)

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.