Uma viagem à Terra do Sol Nascente

Um dia, uma vida”. Esse provérbio japonês nos mostra que é preciso apreciar cada dia em sua beleza, nas dificuldades e até nas banalidades. Cada dia é uma vida inteira. Essa frase de sabedoria me acompanhou durante minha breve estada no Japão e me faz lembrar com nostalgia de certa tarde em que tive contato com a cerimônia do chá. Hoje escrevo na companhia de Maneki-neko, o gato da fortuna e da sorte, e de Daruma, o símbolo japonês da perseverança, as únicas lembranças que trouxe comigo, além das memórias dessa experiência surreal.

Maneki-neko, à esquerda, é o gato da fortuna e da sorte. Quando o gato coça a orelha, traz sorte e fortuna. É um costume mantê-lo nas casas para trazer riqueza e felicidade. À direita está o Daruma, símbolo da perseverança no Japão. Você deve pintar um de seus olhos ao fazer um pedido e ele ganhará o outro olho quando esse pedido se realizar, tornando-se um talismã.

Tudo começou algumas semanas atrás, quando li nas redes sociais uma postagem sobre uma aula sobre a cerimônia do chá japonesa que aconteceria em Curitiba (PR). Já havia lido sobre essa tradição em alguns livros, o que aumentou ainda mais minha curiosidade de me aprofundar na cultura japonesa. Não pensei duas vezes e me inscrevi rapidamente nessa atividade, já que estava ansiosa por continuar minha jornada em direção ao Oriente.

Peguei o ônibus cedinho e, após duas horas, havia chegado ao meu destino, um pedacinho do Japão na capital paranaense – a Praça do Japão. Almocei em um restaurante pertinho do local e, como ainda faltava meia hora para o início da aula, aproveitei para caminhar pela praça e fazer algumas fotografias. Transportei-me para a Terra do Sol Nascente imediatamente. Muitas pessoas caminhavam e contemplavam as últimas cerejeiras em flor. Algumas estavam sentadas nos bancos e conversavam felizes. Um casal namorava sentado na grama, perto de um dos muitos lagos, construídos nos moldes japoneses. Um grupo de jovens tocava violão e cantava. Outros se encontravam deitados ao sol, descansando após o almoço.

A Praça em todo o seu esplendor, na época das cerejeiras em flor

O projeto da Praça, inspirado nos clássicos jardins japoneses, foi concluído em 1962. Uma reforma, em 1993, trouxe o Portal Japonês e o Memorial da Imigração Japonesa. O local é uma homenagem aos imigrantes japoneses que chegaram a partir de 1909 na cidade. Lá, estão espalhadas 30 cerejeiras enviadas do Japão. Na minha visita, senti-me presenteada, pois pude observar as últimas cerejeiras em flor nessa estação. Parecia, como o próprio professor comentou mais tarde, que os brasileiros compreenderam o costume tradicional japonês de contemplar as cerejeiras em flor. A praça, normalmente tranquila, ganhou um grande número de frequentadores quando as sakuras (cerejeiras em flor em japonês) começaram a florescer. O passeio pela Praça já me trouxe uma grande paz interior, ao contemplar as cerejeiras e ouvir o suave barulho da água dos lagos. E a aventura estava apenas começando.

Segui para o Memorial da Imigração Japonesa, uma réplica do Templo Dourado de Kyoto, com 11 metros de altura. A construção abriga uma biblioteca, uma loja de artesanato. E, no segundo andar, para onde me dirigi, há a sala para a cerimônia do chá e meditação. Do alto do Memorial, há uma bela vista da praça.

O Memorial da Imigração Japonesa, uma réplica do Templo Dourado de Kyoto

Aguardamos a chegada de todas as participantes. Era uma turma pequena, de sete mulheres. Quando o grupo estava completo, o professor iniciou a aula. Contou-nos que a cerimônia do chá foi um nome dado por um ocidental que presenciou a tradição no Japão, mas que na verdade eram encontros nos quais se buscava que os convidados, que recebiam convites formais para o evento, atingissem um estado de tranquilidade.

A cerimônia se constrói a partir de quatro princípios. Primeiramente, busca-se a harmonia com o espaço, objetos, convidados. As flores são colhidas frescas de acordo com a estação do ano. Há uma forma correta de realizar os procedimentos e até de se locomover dentro da sala de chá. O respeito também é um princípio fundamental – pelas pessoas, pelos objetos, por esse momento vivenciado. Durante a cerimônia, como parte da etiqueta do convidado, é preciso contemplar as flores e o provérbio expostos, agradecer o anfitrião no momento em que se recebe o chá, desculpar-se com o convidado que se servirá depois de você, pois você tem a honraria de se servir por primeiro.

Além disso, a cerimônia também se desenvolve a partir do princípio da pureza, que pode ser observado em pequenos rituais de purificação, como a limpeza de todos os utensílios que serão utilizados, o uso de lenços e da água quente. E, por fim, a aplicação de todos esses princípios resulta no último, o objetivo final da cerimônia: a tranquilidade e o desejo de que os convidados se sintam fora do mundo comum.

Depois da conversa sobre as características e os processos dessa tradição milenar, começamos a brincadeira. Aprendemos como se locomover na sala. Admiramos as flores da estação e o provérbio japonês: “Um dia, uma vida”. É preciso apreciar o aqui e o agora. Observamos o preparo do chá – o matchá, um chá verde em pó de cor viva. De acordo com Linda Gaylard, autora de O livro do chá, o matchá é rico em antioxidantes, com altos níveis de cafeína e tem inúmeros benefícios à saúde. Era a bebida utilizada pelos monges budistas para auxiliar nos longos períodos de meditação e também era consumida pelos samurais antes das batalhas.

O matchá: o chá consumido pelos monges e samurais

É de uma beleza poética observar e participar de todo o processo: notar o cuidado na preparação do chá, saborear o docinho de feijão servido momentos antes do matchá. E, quando recebi a bebida e tomei alguns goles, senti como se nunca antes tivesse bebido chá tão gostoso. O líquido era suave, cremoso. Parecia que não saciava apenas o corpo, mas também a alma. O propósito de o convidado se sentir fora do mundo comum fora atingido. Saí da Praça do Japão sorrindo tranquila. É curioso, pois essa é uma praça que se encontra no coração da cidade grande, rodeada de prédios. É um refúgio no meio da urbanidade. E assim é a própria cerimônia do chá, um oásis para a mente, que nos faz parar toda a nossa rotina por um motivo nobre: contemplar a vida.

Um dia, uma vida”.

Aprendi com essa tradição japonesa que talvez o propósito da vida seja esse – buscar esses estados de tranquilidade em meio às turbulências do cotidiano. A gente começa a ouvir nossa própria voz e os desejos de nosso coração com mais clareza. A calma deixa nosso espírito mais alerta, perspicaz para encontrar a beleza no dia a dia.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.