Va dove ti porta il cuore

Já faz alguns meses que minha consigliere enviou uma foto com o trecho final do livro Vai aonde te leva o coração, da escritora italiana Susanna Tamaro. Eu havia lido esse livro há alguns anos atrás, quando estava estudando italiano. O livro é incrivelmente tocante, sutilmente melancólico, de certa forma me remeteu à experiência de ler O Pequeno Príncipe. À primeira vista, o título soa um pouco piegas, quase inocente, você começa a ler e aos poucos a história vai ganhando uma profundidade inesperada.

Vai aonde te leva o coração é uma coletânea de cartas escritas por uma avó para sua neta que foi morar no exterior. Nelas, a avó conta detalhes do seu dia-a-dia e também vai revelando aos poucos a natureza e a história das relações entre três gerações de mulheres: avó, mãe e filha. O relato é de uma simplicidade e profundidade impressionantes. Para suas reflexões sobre a vida, a avó adora fazer comparações com as atividades culinárias. A minha favorita é sobre a arte de fazer panquecas. Mas qual é a sabedoria secreta das panquecas? Às vezes a gente fica tão focado em um objetivo ou quer com todas as forças achar um centro para si próprio, que parece que quanto mais tentamos, mais nos afastamos da nossa meta. É preciso estar um pouco distraído, não criar expectativas tão absolutas, então o fluxo da vida corre mais leve, em acordo com a correnteza do rio. Como nos conta a avó em sua carta:

Você se lembra de quando lhe ensinava a fazer panquecas? Quando você as faz saltar no ar, lhe dizia, você deve pensar em qualquer coisa menos no fato que elas devem cair direto na frigideira. Se você se concentra no vôo pode estar certa de que elas cairão retorcidas ou simplesmente irão se desmanchar diretamente sobre o fogão. É engraçado, mas é justamente a distração que faz chegar ao centro das coisas, ao seu coração.”

Inspirada pela mensagem de minha consigliere decidi reler Vai aonde te leva o coração. Queria encontrar uma edição em português ou, senão, em italiano, que é o idioma original, o que não foi fácil. No final encontrei uma edição alemã para estudantes de italiano! Antes de iniciar a leitura, me perguntei se sentiria algo parecido com as releituras d’O Pequeno Príncipe, se essa nova leitura me permitiria conhecer novas camadas de significado no livro. De fato foi o que aconteceu. Acredito que não é algo que depende exclusivamente do livro, mas também das nossas experiências e amadurecimento que ocorrem no intervalo entre as leituras. O livro é nesse caso como uma chave que abre portas secretas da nossa alma.

Para terminar, deixo com vocês o trecho final do livro, que é belíssimo. E agradeço à minha querida consigliere por compartilhá-lo!

Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembre-te da forma como crescem. Lembre-te de que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e de que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de igual modo, deves estar nas coisas e estar sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos.
E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar.”

Share:
Written by Ca Amatti
Ca Amatti é arquiteta restauradora, apaixonada pelos edifícios antigos, por viagens e artes gráficas. Tem saudades do futuro, mas ama os vestígios do tempo no mundo. Atualmente reside em Varsóvia, protegendo velhos palácios e monumentos dos efeitos devastadores do tempo e do esquecimento.