Uma noite de fado em Lisboa

Se alguém me perguntasse o que fazer em Lisboa, eu diria: “pegue um táxi”. É uma ótima oportunidade para entrar em contato com a cultura portuguesa e conversar com os locais. Pelo menos foi o que aconteceu comigo.

Eu estava viajando com minha mãe e íamos passar dois dias em Lisboa. Algumas pessoas nos aconselharam: “Então você precisa ouvir fado. Vá na ‘A Severa’ então. É uma antiga e tradicional casa de fado”. Assim nós fizemos. Na recepção do hotel, encontramos com outra mãe e filha brasileiras que foram junto com a gente.

O táxi chegou. O motorista era um homem alto e robusto, com bigodes grossos e cinzentos. “Vamos para a Severa, então”, ele disse. Nossa aventura em direção ao Bairro Alto havia começado. “Você gosta de fado? Você já esteve na Severa?”, perguntamos, esperando que a indicação do hotel fosse boa. “Eu gosto de deixar clientes nas casas de fado. Eu já fui lá para deixar alguns”. Ali eu notei seu humor leve e honesto.

No momento, eu estava um pouco tensa, pensando no retorno para o hotel. No final do show, seria muito tarde. Ninguém tinha um telefone com sinal e não sabíamos se havia um ponto de táxi perto da casa de fado. Então aproveitei a oportunidade para perguntar: “Como fazemos para pegar um táxi em Lisboa”? Eu pensei que ele ia responder: “Tem um ponto perto da Severa”, ou “disque tal número” ou “ligue para o meu número”. Mas na sua resposta mais uma vez reparei o autêntico humor português: “Ora, pois! Você abre a porta do táxi e entra”.

O taxista continuou a falar em um tom alto e bem-humorado: “Eu gosto do Brasil. Já vi muitas novelas brasileiras: Tieta, Escrava Isaura, Dona Flor e seus dois maridos“. Ele também comentou sobre a grande comunidade de brasileiros que moram em Lisboa e perguntou sobre o novo presidente do país. Todos estão curiosos sobre esse assunto. “Seu primeiro nome é Messias. E o Messias, quando veio ao mundo, também não agradou a todos”, aproveitou para dar sua opinião.

Mudamos de assunto, para evitar tensões e minha mãe perguntou sobre Cristiano Ronaldo. “Ah, você gosta do Cristiano Ronaldo, então”? Ele deu uma risada longa e alta. “Ou você gosta de dólares do Cristiano Ronaldo”?

A outra mãe no carro, sentada no banco do motorista, continuou a conversa: “E você, qual é o seu nome, senhor?” Ele também respondeu com referências religiosas, mostrando um pouco de sua fé e crenças: “Meu nome, meu nome é o nome do pai de Jesus”. A mulher que fez a pergunta respondeu: “Antônio”? O motorista parou o carro abruptamente e levantou as duas mãos, surpreso e divertido: “Mas, você não sabe o nome do pai de Jesus”? Eu disse baixinho da parte de trás do táxi: “É José”. O taxista riu: “Veja, ela sabe o nome do pai de Jesus”.

A mulher continuou: “É só que Antônio é um nome bastante usado aqui, não é”? José estava animado para falar sobre os nomes tradicionais portugueses. Ele estava dirigindo com uma mão e gesticulando com a outra: “Antônio, Fortunato, João, Tiago, Martim, Miguel, Francisco. São todos meus irmãos”.

Naquele momento, já estávamos chegando nas ruas estreitas do Bairro Alto. Minha mãe estava com um pouco de medo de que não chegássemos lá, com ele falando sem parar, gesticulando, parando abruptamente o táxi. Ela pensou que ele poderia bater o carro. Então ela disse: “É perto? Podemos descer aqui”. José respondeu indignado, mas também rindo: “Mas como? Você quer sair antes de chegar lá? Acalme-se, estamos chegando”.

Alguns minutos depois, estávamos na frente de ‘A Severa’. “Deixo-as aqui, senhoras. Tenham uma boa noite de fado. Foi um prazer conhecer todas vocês”, disse José. Ele partiu. Tenho a sensação de que um pouco da autêntica Portugal foi junto com ele.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.