Sobre as lições que um inverno no Hemisfério Norte me trouxe (ou o que a Polônia me ensinou sobre a vida)

Todas as viagens importam, das cotidianas às mais longínquas. Essas longas e pequenas jornadas nos ensinam mais sobre o mudo do que qualquer livro. Também nos revelam lições preciosas sobre nós mesmos que precisamos aprender. Não foi diferente quando fui para a Polônia em janeiro desse ano. Eu sabia que seria uma viagem avassaladora. Foi a primeira vez que visitei a Ca depois que ela se mudou definitivamente para Varsóvia em 2016. E, também, esse encontro seria especial, pois estaríamos juntas em terras polonesas novamente após 12 anos de nossa primeira passagem pelo país. Seria inverno, daqueles frios congelantes que vemos nos filmes. E eu estava muito ansiosa para ver a neve pela primeira vez na vida.

Mas uma viagem não se faz só de flores e paisagens nevadas idealisticamente maravilhosas e fotografias de momentos felizes que a gente publica no Instagram. Uma viagem se faz de perrengues também. Eu e Mamma chegamos na Polônia após uma longa viagem em terras espanholas e portuguesas. Nos últimos dias na Espanha, ficamos gripadas. Precisamos chamar um médico e comprar remédios na farmácia, o que envolveu tentar decifrar a difícil letra da médica. Eu não lembrava o nome do medicamento e nenhuma farmacêutica resolveu o mistério, mesmo com o uso de uma lupa. Não se enganem, nós estávamos maravilhadas com tudo o que vivemos no país. Mas, mesmo o espanhol sendo um idioma tão próximo, as diferenças culturais e dificuldades de compreender o outro e ser compreendido já nos desanimavam um pouco. Estávamos cansadas e com saudades de casa.

Com esse espírito – um pouco cansado, um pouco doente, um pouco saudoso – chegamos em uma Polônia fria, cinzenta, nevada. A Ca, o Mateusz e Albertino nos esperavam no aeroporto e me senti em casa com tanto carinho e com essa calorosa recepção (e também com uma sopa de abóbora especial, quentinha e deliciosa que a Ca fez para nós). Quando voltamos tarde da noite para o hotel, tinha nevado bastante. Estava tudo branquinho. Parecia um sonho nevado de glacê. Eu estava muito feliz, apesar do frio. A Polônia já me sussurrava um ensinamento poderoso que eu ainda não queria enxergar, mas que estava bem ali na minha frente.

Nos dias seguintes, passeamos pela cidade com a Ca, sempre fazendo algumas pausas para nos recuperar da gripe. Confesso que meu humor não estava dos melhores. Estava frio e nublado e eu sentia falta do sol. Estava um pouco febril. A comida e seus temperos são bastante diferentes do Brasil. O idioma é ainda mais diverso. Muitas vezes não era possível nos comunicar nem em inglês. Enfim, eu andava um pouco rabugenta, admito.

Mas tudo mudou quando no final de semana viajamos de carro para o interior, para a cidade em que mora a família de meu cunhado. O sol apareceu e passamos algumas horas observando as paisagens nevadas da janela do carro. Nossos corações estavam mais leves. E, quando chegamos, fomos recebidas com tanto carinho! Eu finalmente percebi o que a Polônia queria me mostrar. Precisamos ir além do frio do inverno, da superfície dos estranhamentos e diferenças, para de fato conhecer uma nova cultura e se conectar com as pessoas. Aqueles dias me lembraram do escritor francês Albert Camus e de sua frase: “Em pleno inverno, aprendia por fim que existia em meu ser um verão invencível”. E também me recordei de Exupéry, quando nos ensina que o essencial é invisível aos olhos. Quando abraçamos a aventura, precisamos estar dispostos a olhar para fora de nós, o que vai nos fazer encontrar um pouco de nós mesmos no outro. Percebemos que somos todos iguais, apesar do idioma, dos costumes e culturas diferentes.

A Polônia continuou me surpreendendo com sua resiliência e com sua coragem até o fim de nossa estada em suas terras geladas. Foi avassalador visitar o Museu do Levante de Varsóvia e descobrir sobre como os poloneses resistiram até o último momento frente à ocupação nazista. Como não admirar uma nação que, após toda a destruição, perdas materiais e imateriais, reconstruiu seus antigos lares em meio às ruínas?

Existe algo mais poderoso do que a força de um coração humano?

Obrigada, Polônia, por me mostrar que precisamos ir além das aparências de um inverno rigoroso. E que o que importa mora embaixo da pele, junto de nossos corações.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.