Para as mulheres fortes

Desde cedo hoje, alguns sinais já mostravam que seria um dia especial. No meu caminho para o trabalho sempre passo por uma banca de flores na rua. Gosto de fazer essa rota para poder apreciar as cores e observar como as flores mudam de acordo com as estações. Agora é a época das tulipas. Podemos encontrá-las em inúmeras variedades diferentes. Geralmente, pela manhã não há muito movimento, as pessoas seguem apressadas para o trabalho ou param para tomar um café no caminho. Mas hoje havia uma verdadeira comoção ao redor da banca de flores e uma longa fila, exclusivamente masculina, esperava para escolhê-las.

Hoje em mais de 100 países ao redor do mundo é comemorado o Dia Internacional da Mulher. A data foi celebrada pela primeira vez em 19 de março de 1911 nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, contando com mais de um milhão de participantes em demonstrações pelo fim da discriminação das mulheres e pela garantia de direitos iguais para trabalhar, votar, estudar e assumir cargos públicos.

Por ocasião desse dia, hoje o Longe Daqui, Aqui Mesmo presta uma homenagem às mulheres mais importantes das nossas vidas, sem as quais não poderíamos estar aqui escrevendo para vocês: nossa mamã e maior inspiração – a Tati Granadi; nossas avós, verdadeiros exemplos de vida para nós; e nossas bisavós – Cesira (a vó Nina), Rosa, Anna e Kunegunda (a Babcia), que, mesmo que não tenhamos convivido com elas por muito tempo ou que não as tenhamos conhecido, temos certeza de que atravessaram com coragem, suavidade e ousadia esses anos de intensas mudanças do século passado. Sabemos que a soma dos seus caminhos, por mais particulares que tenham sido e ainda são, permitiram à nossa geração uma autonomia muito maior em relação ao passado.

É como o poema Legado de Rupi Kaur:

me levanto
sobre o sacrifício
de um milhão de mulheres que vieram antes
e penso
o que é que eu faço
para tornar essa montanha mais alta
para que as mulheres que vierem depois de mim
possam ver além

Bisavó Nina (Cesira)

Vou começar contando um pouco sobre a vida de nossas bisavós. Como era comum naquele tempo, elas foram muito dedicadas à vida familiar e aos filhos. Nós não chegamos a conhecer nossas bisavós maternas. Mas sempre ouvimos muitas histórias sobre elas. A vó Nina, mamãe de vovô David, foi uma mulher amorosa e muito dedicada a casa. Vovô era seu companheiro quando pequeno e a acompanhava para fazer as compras, para amassar o pão (naquela época a produção caseira de pães era grandiosa). Ela matava as galinhas e vovô ajudava a depená-las. Era um prazer depois cozinhar e comer os ovinhos frescos tirados de dentro da galinha. Toda manhã ela partia um tomate ao meio e dava o caldinho para vovô tomar. Nina era humilde, mas sempre estava sempre bem arrumada. Não saía de casa sem uma sombrinha.

Bisavó Rosa

Rosa, a mamãe de vovó Estela, nasceu na Espanha e veio para o Brasil aos três anos de idade. Era doce e tranquila, como uma joia. Vovó Estela conta que nunca viu ela gritar ou se queixar. Ela era a mais velha de 13 irmãos, dos quais apenas 10 sobreviveram. Era como uma mãe para muitos deles. Todos dizem que nossa mamã, a Tati Granadi, é muito parecida com ela no jeito de ser. Assim como mamã, Rosa gostava muito de cultivar flores. Gostava especialmente de cravos, uma vez colheu 200 numa peneira de taquara. Nossa mamã conheceu-a por pouco tempo, mas lembra-se da sua presença sempre fazendo coisas especiais – um mingau, uma gemada. Mamã desde pequena tinha problemas alimentares e a vó Rosa criou até uma cabra para produzir leite para mamã. Era muito carinhosa com a sua mãe. Às sextas-feiras fazia pão fresquinho e levava para ela já velhinha. Vovó Estela lembra-se que ela tirava pena dos gansos para fazer acolchoado e punha uma meia velha na cabeça do ganso para ele não bicar. Tinha uma caligrafia linda.

Bisavó Kunegunda, a Babcia

As bisavós do lado paterno tive a oportunidade de conhecer, mesmo que brevemente. A mãe de vovô Vitoldo, Kunegunda era muito caseira, não gostava de sair. Nós a chamávamos de Babcia, que em polonês significa vovó. Mas quando era criança não sabia disso e por muito tempo achei que Babcia era o seu nome verdadeiro. Lembro que ela morava em uma rua linda e calma em Curitiba com árvores enormes. Ela era uma pessoa muito boa e muito calma. Costurava suas próprias roupas. Encarava tudo com simplicidade. Adorava cozinhar para os outros e fazia coisas deliciosas: sopa de feijão, charuto, pastel. Raramente ficava brava. Não era de falar muito, mas tinha uma suavidade natural. Criava galinhas. Certa vez, papai não sabia o que comprar para ela e chegou à conclusão de que o que ela mais gostaria seria galinhas. Papai foi até a pecuária para comprar os animais, que foram embrulhados com papel, de forma que o embrulho parecia um buque de flores (as galinhas são transportadas pelo pé). Não poderia ter pensado em um presente melhor. A Babcia ficou radiante!

Bisavó Anna

Já Anna, a mamã de vovó Savina, ao contrário da Babcia, amava passear e viajar. Ela era corajosa. Aos 18 anos, ainda solteira, foi de trem para São Paulo para trabalhar em uma tecelagem. Hoje pode parecer simples. Mas naquela época não havia internet. O tempo de espera para receber uma carta ou um telefonema parecia uma eternidade. Anna enfrentou tudo. Em São Paulo, aprendeu a arte do corte e costura. Quando retornou a Ponta Grossa, continuou a trabalhar com a costura. Casou-se com um polonês (qualquer semelhança com a minha história pessoal não é mera coincidência!). Todos dizem que era uma mulher marcante. Andava sempre arrumada, elegante. Não saía de casa sem colocar meia-calça. Foi uma guerreira e uma mulher a frente do seu tempo. Deu conta de tudo: dos filhos, do marido, fazia trabalhos filantrópicos. E nunca parou, apesar dos problemas.

Vovó Estela

Gigi e eu tivemos o prazer de ter uma convivência muito próxima com nossas avós quando pequenas, algo que se manteve em nossa vida adulta. Essa convivência certamente moldou muito do nosso caráter. Vovó Estela, nossa avó materna, é uma mulher serena, tranquila, delicada e muito carinhosa. Adora fazer longas caminhadas. Foi ela que me acalmou quando reprovei no exame para tirar a carteira de motorista. Foi ela que nos trouxe castanholas espanholas da terra da sua mãe. Recentemente, me passou uma receita ótima de espinafre refogado. Eu a admiro especialmente pelo modo como ela é fiel aos seus princípios, independentemente da velocidade com que o mundo muda ao seu redor, e pela sua capacidade de se doar inteiramente à família. Vovó Estela é uma grande contadora de histórias, desde o tempo em que éramos pequenas e adorávamos dormir na casa dos avós. Para dormir, ela nos contava histórias do tempo em que era mocinha e de todas as aventuras que viveu.

Vovó Savina

Vovó Savina, nossa avó paterna, é uma mulher decidida, forte e determinada. Está sempre elegante e arrumada. O que mais admiro nela é que vovó tem os pés no chão, não vive no passado ou no futuro. Aceita as mudanças da vida e o presente como ele é. Vovó tem aquela energia positiva contagiante que nos faz querer ir além, a conquistar tudo aquilo que desejamos. Vovó tem também aquela força de espírito capaz de dizer não para aquilo que não acredita. Com vovó Savina, passamos longas temporadas na praia. Vovó é dona da receita da melhor sopa de beterraba de todos os tempos (aprimorada por muitas gerações de origem polonesa). Vou lembrar para sempre de quando nos encontrávamos para arrumar a árvore de Natal.

Nossa mamã, Tati Granadi

E enfim, chegamos à nossa mamã. Talvez por estarmos mais próximas dela, seja mais difícil de descrevê-la. Mamã é uma mulher forte, mas ao mesmo tempo delicada. Domina certas artes mágicas: conversa com as plantas, utiliza ingredientes secretos na cozinha para criar pratos maravilhosos, ela também sabe o que estamos sentindo sem precisar falar nada. Tem uma alma serena e aconchegante. É aquele abraço quentinho quando a gente precisa chorar. Mamã sempre nos incentivou a sonhar e a seguir em direção aos nossos sonhos! Eu a admiro pelo seu espírito jovem, doce e sonhador. A forma como ela olha o mundo com olhos cheios de amor e nos faz ver a beleza nas pequenas coisas.

As histórias que compartilhei aqui são bastante pessoais, mas acredito que todos podem se identificar com elas de uma forma ou de outra. Afinal, a vida se faz desses pequenos instantes em que a felicidade brilha para nós. A vida se faz desses detalhes que ficam gravados na nossa memória. Eles mostram a força avassaladora de uma mulher. Não é algo aparente. Trata-se de uma força que vem de dentro, uma força sutil. Mas que tem o poder de mudar tudo ao seu redor, pois está nas profundezas. Essas mulheres são exemplos para nós de resiliência. Coragem constante. Capacidade de conciliar muitas coisas ao mesmo tempo e trazer equilíbrio para a vida familiar. Mas talvez o mais importante seja a capacidade de SE DOAR – algo grandioso e não muito em voga nas gerações mais jovens. Que fique registrada aqui a nossa gratidão a essas mulheres corajosas, que não tem medo de nada quando vão defender aqueles que amam. Que nosso coração possa ser tão grande como os seus, abarcando o mundo e além. E que a nossa vida possa honrá-las e ampliar o caminho para que aquelas que virão depois de nós. Que elas possam ir ainda mais longe.

Para as mulheres fortes: que as conheçamos. Que as sejamos. Que as criemos.

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Written by Ca Amatti
Ca Amatti é arquiteta restauradora, apaixonada pelos edifícios antigos, por viagens e artes gráficas. Tem saudades do futuro, mas ama os vestígios do tempo no mundo. Atualmente reside em Varsóvia, protegendo velhos palácios e monumentos dos efeitos devastadores do tempo e do esquecimento.