Sobre a arte esquecida de escrever cartas

Você lembra a última vez em que recebeu uma carta? Aquela sensação deliciosa ao abrir a caixa de correio e além das contas e propagandas ter um envelope de uma pessoa querida, com uma mensagem única para você. Às vezes você pode ter tido um dia ruim, e então, ao ver o envelope, é como se tudo se iluminasse.

Pois é, esse é um prazer que tem se tornado cada vez mais raro e, talvez por isso, mais precioso. O curioso é que toda a tecnologia em que estamos imersos parece tornar as cartas escritas à mão ainda mais especiais. Elas têm um poder de conectar que vai além dos computadores e celulares, pois sabemos que em algum lugar, nosso remetente esteve pensando com insistência e carinho na gente, tanto que separou tempo, papel e caneta para nos escrever.

Então vem toda aquela excitação, imaginando o que esse envelope contém, o que pode ser o conteúdo da carta. Não sei vocês, mas eu sempre me divido entre a vontade inquietante de ler a carta imediatamente ou prolongar um pouco mais esse prazer, para lê-la devagar num momento especial. Em casa, com um café e com uma música que me recorda de quem a escreveu.

Como a Gigi comentou, no ano passado eu me mudei para a Polônia. E devo confessar que a adaptação a uma cultura diferente sempre nos tira um pouco da nossa zona de conforto. Lembro do primeiro dia quando cheguei em Varsóvia. Estávamos no térreo com as malas, meu marido foi checar a caixa de correio antes de subirmos as escadas.

Ele voltou sorrindo – “Cami, tem uma carta para você”! Apesar de eu estar apenas chegando, já havia um postal esperando por mim. Eu fiquei tão feliz!! Foi como se eu me sentisse um pouquinho em casa, antes mesmo de entrar no novo apartamento. Obrigada, Andie, pelo carinho e pela correspondência constante! No final, a gente nunca sabe quão grande será o poder de uma mensagem.

Além de nos surpreender e emocionar, as cartas também resistem melhor ao tempo. São mapas da nossa história ou daqueles que vieram antes de nós. Na nossa família, temos uma carta que é considerada uma relíquia, uma carta que a irmã de nosso bisavô, Franciszka, escreveu para ele depois que ele emigrou para o Brasil.

A carta é muito tocante e nos transporta para o que eles estavam vivendo e sentindo em 1937. Nosso bisavô havia lhe escrito que há 10 anos não via a neve. Sua irmã lhe responde então que queria ter lhe enviado, mas que antes de chegar ao correio ela tornou-se água. Sempre me emociono quando releio esta carta, imaginando quanta saudade havia entre eles.

E quando penso nisso, sempre me pergunto, como será que as futuras gerações lembrarão da nossa? Será que eles vão buscar nosso perfil nas redes sociais para saber um pouquinho da nossa história? Mas como recuperar essa história mais íntima e poderosa que não é exposta? 

Escrever uma carta é oferecer um pouco de você a outra pessoa de uma forma clássica e atemporal. É deixar pistas para a memória. Não é maravilhoso ter a oportunidade de surpreender alguém com tão pouco, porém de modo tão tocante e pessoal? Para quem você gostaria de escrever hoje? O que você diria se estivesse ao lado dessa pessoa?

As caixas de correio estão tão carentes de cartas verdadeiras.

Ca Amatti



About the forgotten art of writing letters

Do you remember the last time you received a letter? Do you remember this wonderful feeling? When you opened the mailbox and you found not only bills and advertisements but also an envelope from a very dear friend, with a message written especially for you? Maybe you were having a bad day and then seeing this envelope made everything brighter.

This pleasure is becoming more and more rare and, at the same time, more precious. Curiously, all the technology in which we are immersed just seems to make hand-written letters even more special. They have a power to connect that goes beyond computers and smartphones. Because we know that somewhere our addresser was thinking long and fondly of us, so much that he took the time, paper and pen to write to us.

Then there comes all the excitement, imagining what this envelope might carry, what can be the content of the letter. I don’t know about you, but I always feel divided between the desire of reading it immediately and prolonging the pleasure a bit more by reading the letter in a special moment – at home drinking coffee and listening to a song that reminds me of the person who wrote it.

As Gigi told you before, I moved to Poland last year. And I must confess that adapting to a different culture always takes us out of our comfort zone. I remember the first day when I arrived in Warsaw. We were on the ground floor with the suitcases when my husband went to check the mailbox before going upstairs.

He came back smiling – “Cami, there is a letter waiting for you”! Although I had just arrived, a postcard had already been waiting for me. And I was so happy!! It was as if I felt a bit at home, before even entering the new apartment. Thank you, Andie, for being so careful and for the constant correspondence! In the end, we never know how powerful a message can be.  

Besides surprising and moving us, the letters also resist better the passage of time. They are maps of our personal history or of those who came before us. In our family, we have a letter which is considered a relic. It is a letter by Franciszka, our great-grandfather’s sister, written after he emmigrated to Brazil.

This letter is quite touching and shows us their feelings and life in 1937. Our great-grandfather wrote to her that he hadn’t seen snow for the last 10 years. His sister said that she would like to send it to him, but before arriving at the post office it became water. I always feel very moved when I read this letter, trying to image how much they missed each other.

And when I think about that, I ask myself – how will future generations remember ours? Will they look for our profiles in social networks to know more about us? But how to recover our innermost and powerful stories which are not exposed?

Writing a letter is offering a bit of you in a classic and timeless manner. It is to leave traces for the memory. Isn’t it wonderful that we can surprise someone with so little, but in such a touching and personal way? What would you say if you were just beside this person?

The mailboxes are so empty of real letters.

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Written by Ca Amatti
Ca Amatti é arquiteta restauradora, apaixonada pelos edifícios antigos, por viagens e artes gráficas. Tem saudades do futuro, mas ama os vestígios do tempo no mundo. Atualmente reside em Varsóvia, protegendo velhos palácios e monumentos dos efeitos devastadores do tempo e do esquecimento.