Céu encantado polonês – parte 1

Há dez anos João Winiarski não via a neve. A irmã caçula Francisca tentou animá-lo: colocou um pouco em uma caixinha, a fim de mandar pelo correio para o irmão que morava no Brasil. A aventura não deu certo – a neve virou água antes de chegar na poczta – o correio da Polônia.
“Como nós não vemos os figos brasileiros, assim você não verá a nossa neve”, Francisca escreve ao irmão em fevereiro de 1937. João Winiarski, meu bisavô, veio para o Brasil com 22 anos de idade. Com a Segunda Guerra Mundial, ele perdeu contato com toda a família. 
O bisavô não voltou para sua terra natal – a Polônia. Mas sempre falava dela com carinho. Anna Raitz, sua esposa, nunca deixou o marido voltar para rever a família. Antes de casar, minha bisavó leu a sorte com uma cigana. A mulher contou-lhe que casaria com um homem que atravessaria o mar. Anna tinha medo que João atravessasse o oceano e não mais voltasse para ela. 
Conhecer a terra dos antepassados significa conhecer a nossa própria história. Ao pensar na vida no Brasil, é impossível não relacionar muitas de nossas decisões e gostos a partir do caminho tomado por nossos pais, avós, bisavós… É o início de nossa própria história. Esses imigrantes corajosos que abandonaram família, trabalho e conforto em busca de sonhos. Eles mergulharam no desconhecido. 
Tive a insana oportunidade de conhecer a terra de meus antepassados em setembro de 2007. A primeira imagem que guardo do país é quando chegava à Varsóvia num voo noturno. Luzes na cidade, segundos antes de o avião pousar no aeroporto Frederic Chopin. O voo foi agitado. Muita chuva. As aeromoças não conseguiam servir o lanche. Toda vez que começavam a movimentar o carrinho… uma turbulência! 
E no meio de tudo isso lá estava eu e minha irmã – duas garotas de 17 e 20 anos de idade participando de uma excursão brasileira da Terceira Idade, em voo com executivos poloneses. Muitos deles lendo jornais. A pergunta certa para compreender essa cena delirante é: O que fomos fazer na Polônia? 
Estava tudo certo para que meus avós paternos viajassem em uma excursão para o país. Duas semanas antes da data de embarque, meu avô sofre um ataque cardíaco. Como ele estava impossibilitado de viajar, minha avó também abandona o barco. Digo, o voo. A quem os dois lugares na excursão são oferecidos? As duas netas – eu e minha irmã Camila – as únicas pessoas com passaporte válido na família. 
Conhecer a Polônia é como entrar em um conto-de-fadas. Cores. Sorrisos. Lágrimas. Sangue. Polônia é sentimento. Conhecê-la significa fazer um passeio pela memória. É o lugar onde lendas do século XIII estão vivas. O trompetista que morreu por sua terra. Castelos. Dragões. A maior praça medieval da Europa. O outono dourado. 
Nossa passagem pela Polônia foi como uma circunavegação – éramos tripulantes em um ônibus maluco. Os motoristas Yúrek 1 e Yúrek 2 dirigiam a nave. O guia era responsável por nos levar em alguns lugares famosos, como também apresentar o grupo há muitas prefeituras e eventos oficiais. 
A primeira parada foi na cidade de Radzyń Podlaski. Conhecemos a Igreja da Santíssima Trindade, o Palácio Potoski, os belos jardins poloneses e o sorvete. Ah! Não esquecendo um prato típico: sopa com bacon e ovos boiando. Nesse primeiro momento pudemos apreender traços típicos do povo polonês, que também podem ser observados no Brasil. Os poloneses são gentis e hospitaleiros, mas reservados em um primeiro contato. 
O segredo para perder a timidez é simples – os poloneses cantam algumas vezes o ‘parabéns para você’, o sto lat, e a cada nova interpretação da música viram alguns copinhos de wódka. É o suficiente para quebrar o gelo. E há música. As festas sempre duram até o dia seguinte. Participei de várias dessas. A mais marcante foi na última noite na Polônia, em Varsóvia. 
Em meio às ruínas de um castelo armou-se uma tenda com música e quitutes, como chouriço, torresmo e saladas. O conjunto musical era italiano – um flautista e um violonista. Eles tocaram músicas bem animadas que resultaram em dança. Havia um único problema: não tinha banheiro! Ninguém sabia disso. Quando uma das senhoras da excursão perguntou à mulher do prefeito aonde era o toalete, ela lançou um sorriso maroto, entregou à senhora um guardanapo e apontou para os arbustos. Quem precisou teve que ir no mato mesmo.
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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.