Brinquedo de gente grande

Eles madrugam ansiados. E ansiosos. Com a promessa de uma aventura selvagem e enlameada que se descortinará durante o fim de semana. Nessas expedições 4×4, homens viram crianças. A única diferença é que seus brinquedos são um pouco maiores. Os carrinhos de controle-remoto se transformam em jipes e camionetes. E o cenário, que na infância é o quintal de casa, agora muda para estradas de terra, escondidas em meio ao caos do ambiente urbano.
Só quem já foi em um desses eventos tem ideia da maluquice toda ou, deve-se dizer, desses momentos de desconexão com a sociedade hiper-ultra-mega conectada atual. Antes de mais nada, é preciso realizar os preparativos para a expedição na noite anterior à partida. Separam-se lanches – barrinhas de cereais, frutas, bolachas -, bebidas, litros e litros de água, sapatos velhos, galochas e roupas “de guerra” – bem dessas que você facilmente usaria em uma batalha. Tenta-se dormir cedo, como os bons samaritanos, pois se parte no dia seguinte de madrugada, rumo ao ponto de encontro do grupo.
Quando todos estão reunidos no posto de gasolina, adesivam-se os carros, distribuem-se os rádios de comunicação e se toma aquele café preto para despertar! Às oito horas, soa-se a buzina da partida e os carros saem enfileirados, rumo às aventuras que os aguardam.
Já na estrada começam as brincadeiras, as piadinhas pelo rádio. Quem observa de longe, pensa que esses homens se conhecem a vida toda. Não imagina que muitos deles se conhecem há poucos meses, ou até que se conheceram naquele mesmo dia. É o companheirismo que se forma quando as pessoas têm gostos parecidos, quando compartilham um espírito aventureiro!
E, quando adentram nas estradas de terra, é como se o Natal tivesse chegado mais cedo para esses homens-crianças. Quanto mais lama, melhor. Quem sabe alguns até fazem a “dança da chuva” um dia antes da expedição! Descidas escorregadias, atoleiros, trilhas para cachoeiras… são tantas emoções, que basta uma ida para pegar essa “doença contagiosa” – a febre da aventura.
“E que mal é esse”? – vocês devem estar se perguntando. É o mesmo do qual sofrem as crianças devoradoras de livros, aquelas que passam madrugadas insones imersas em uma grande história.
Quem descobre as maravilhas do mundo em meio à adrenalina de uma aventura, jamais se recupera.
Não se pode criar um beija-flor em uma gaiola, como não podemos aprisionar o mar em uma bacia. Esses homens-crianças se recusam a restringir suas vidas em um cotidiano cinzento. Seu mundo é cheio de momentos emocionantes, temperados com uma pitada generosa de lama. A gente devia fazer mais como esses jipeiros e embarcar sempre que possível em uma aventura enlameada, aproveitando cada segundo dessa jornada louca e maravilhosa que é a vida.
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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.