Berlim, a cidade do reencontro

Exatamente há um ano eu e Ca Amatti nos encontrávamos mais uma vez no Velho Mundo. Era nosso terceiro encontro nesse continente tão querido, terra de origem de nossos antepassados. Foram pouco mais de 20 horas que passamos juntas, vivendo instantes de muita intensidade sob o céu de Berlim.

Eu sempre tive poucas referências sobre a capital germânica, mas as que sem dúvida mais me marcaram foram os filmes alemães Adeus, Lênin! e Asas do Desejo, retratos de poesia de uma cidade que sofreu a devastação da guerra, já foi dividida ao meio e se reergueu.

Berlim sempre terá um espaço muito especial em nossos corações porque é a nossa cidade de reencontro. Não víamos Ca Amatti havia dez meses, desde sua partida para Varsóvia. Eu e minha família terminaríamos uma excursão em Berlim e Ca Amatti nos encontraria lá. Após conhecer um pouquinho da cidade, eu seguiria para o sul da Alemanha e o resto do grupo iria para a Polônia.

Já estava com o espírito bastante animado para conhecer a cidade, pois descobri na nossa viagem de ônibus de três horas para a capital alemã que uma das minhas músicas preferidas da adolescência, Forever Young, é de uma famosa banda alemã da época da Guerra Fria, Alphaville. E, como a própria canção diz – a vida é uma curta viagem (no original: life is a short trip) -, então temos que aproveitar cada segundo.


Portão de Brandemburgo * Brandenburg Gate

Logo nos primeiros momentos, tivemos um pequeno incidente que envolveu a família real britânica. Quando estávamos chegando perto do hotel, dezenas de ruas estavam fechadas e a polícia estava por todo o lado. Devido aos atentados terroristas dos últimos tempos, nós ficamos com bastante medo de que algo grave tivesse ocorrido. Nesse meio tempo, a Ca já tinha chegado no hotel e nos avisou que o motivo de toda essa confusão era porque a família real britânica estava hospedada por perto.

Nós avisamos o guia sobre o fato. Ele conversou com os policiais, explicou que não éramos terroristas ou paparazzi, e nos deixaram passar. O guia brincou: “Olhem bem, nosso hotel está cheio de policiais. Vamos ficar no hotel da rainha”! Chegamos e a rainha não estava lá, mas a Ca estava. E era uma presença mais importante e especial para nós. Cheio de abraços apertados e beijos e um pouquinho de choro de felicidade, foi um encontro emocionante com toda a família reunida. Como já era tarde, fizemos um lanche no hotel, não paramos de falar um minuto para atualizar as novidades e fomos descansar, pois levantaríamos cedo no dia seguinte para explorar a cidade.

Berlim é uma cidade impressionante, uma aula viva de história contemporânea. No outro dia, caminhamos um pouco pelo que restou do Muro de Berlim (para informações sobre muros, e o Muro de Berlim em particular, confira esse post) e vimos como essa construção significou medo e terror para a população na época. Também fomos ao Memorial Judaico, onde milhares de caixas de concreto lembram um enorme cemitério, representando as vidas perdidas na Segunda Guerra.

Muro de Berlim * Berlin Wall

Memorial Judaico * Jewish Memorial

Também conhecemos a Catedral e passamos pela ilha dos museus e pelo parlamento. Passamos por uma famosa igreja em ruínas, a Gedächtniskirche, conhecida como a “Igreja da Memória” ou “Igreja Quebrada”. Ela foi danificada pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial e permaneceu em ruínas, sendo um símbolo de toda a destruição causada pelo conflito. Depois chegamos no KaDeWe para almoçar, o maior shopping da Europa. Você encontra de tudo lá: roupas, sapatos, papelaria, brinquedos, comida… Eu parecia uma criança em época de Natal quando fui explorar a seção de chás e vi marcas e produtos completamente desconhecidos. Deixo uma dica sobre o restaurante no último andar: se você estiver em Berlim, vale muito a pena. Tem um estilo meio “quilo brasileiro”. O preço é muito bom e tem muitas opções de comida: verduras, proteínas, carboidratos.

Saímos do shopping e pegamos o metrô na estação mais antiga de Berlim rumo à torre de televisão da cidade, que tem 368 metros. Dizem que a vista lá de cima é espetacular. Infelizmente não conseguimos subir, tinha uma fila enorme e não havia mais horários disponíveis para o dia. Como nosso trem partia no final da tarde, deixamos essa experiência para uma próxima viagem (fica a dica para vocês: não bobeiem como a gente e comprem o bilhete para subir na torre com antecedência).


A torre de televisão * Berlin TV Tower

Com essa mudança no nosso itinerário, partimos para o plano B: perder-se pela cidade caminhando por lugares pitorescos (perder-se só no sentido figurado, porque a Ca tinha um mapa). Como precisávamos voltar para o hotel pegar nossas malas, resolvemos fazer o caminho a pé. Passamos novamente pela catedral e pela ilha dos museus, fomos no banheiro da Universidade Humboldt, a mais antiga de Berlim, fundada em 1810. Albert Einstein, Karl Marx, Heinrich Heine são alguns dos nomes de famosos que estudaram lá. Quem sabe nós não caminhamos pelos mesmos corredores que eles andaram?

Passamos pelo portão de Brandemburgo, antiga porta da cidade. Fazíamos parte de uma imensa massa humana. Em seguida, caminhamos por um parque bem lindo e selvagem, o Tiergarten, cortando caminho para o hotel. Os parques da capital alemã são inspirados nos parques ingleses, servem como barreira dos ruídos urbanos e são um refúgio para os habitantes da cidade.


Parques: um refúgio dentro da cidade * Parks: a refuge within the city

Ao chegarmos ao hotel, pegamos nossas malas e partimos para a estação central de trens, a Hauptbahnhof. O trem da minha família partia uma hora antes do meu. Deu tempo de comermos alguma coisa e tomar um café (chá para mim). Fui com eles até a plataforma em que pegariam o trem para a Polônia. Foram muitos abraçados apertados de despedida. Quando eles partiram, fiquei bastante emocionada e chorei um pouquinho. Estava viajando de trem pela Europa sozinha pela primeira vez. Estava acompanhada apenas de meu malão. Só eu e ele. Senti-me como uma adolescente de 16 anos amedrontada. A sensação era avassaladora e ao mesmo tempo maravilhosa. Quão longe podemos ir se seguirmos os nossos sonhos e as batidas de nossos corações? Se tivermos coragem de abrir a porta de casa e sair mundo afora?

Perambulei um pouco pela estação. Entrei na livraria. Procurei um banheiro, mas como o custo para uso era de sete euros, abandonei a ideia. Fui para minha plataforma. O trem chegou pontualmente. Entrei no final do trem e meu assento era lá no começo. Estava bem perdida. Achei que um homem tinha sentado no meu lugar, mas eu estava no vagão errado. Até eu caminhar toda a extensão do trem, todos já tinham se acomodado. Achei minha poltrona. Um senhor simpático sentou do meu lado e perguntou de onde eu era. Quando eu falei que era do Brasil, ele falou: “Que jornada”! E a aventura estava apenas começando. Meus amigos me esperavam no sul da Alemanha e eu estava ansiosa por chegar lá.

Gigi Eco

Sobre os filmes que eu comentei:
– Adeus, Lênin!, lançado em 2003 e dirigido por Wolfgang Becker (e com a incrível trilha sonora de Yann Tiersen), tem como contexto a queda do Muro e a reunificação das duas Alemanhas. Na história, a mãe de Alexander tem um ataque cardíaco e desmaia, permanecendo em coma durante oito meses no hospital, período em que ocorre a queda do Muro de Berlim. A fim de poupar o coração debilitado da mãe, Alexander não conta sobre as transformações no país e a leva para casa, em um apartamento onde cada detalhe foi preservado como se a Alemanha Oriental ainda existisse.
– Asas do Desejo, lançado em 1987 e dirigido por Win Wenders, retrata anjos que vagam pelas ruas de uma Berlim devastada pela guerra. Esse filme é de uma poesia avassaladora e você pode conferir uma resenha sobre ele aqui.


Gigi na estação central de trens de Berlim * Gigi at the Berlin Central Train Station

Berlin: the city of reunion

Exactly a year ago I and Ca Amatti were once again in the Old World. It was our third meeting on this beloved continent, the land of our ancestors. It was little more than 20 hours that we spent together, living moments of great intensity under the Berlin sky. I have always had few references to the German capital, but the ones that undoubtedly are my favorite are the German films Goodbye, Lenin! and Wings of Desire, portraits of poetry in a city that suffered the devastation of war, was was torn apart and reared from the ashes.

Berlin will always have a very special place in our hearts because it is our city of reunion. We had not seen Ca Amatti for ten months, since his departure for Warsaw. Me and my family would end an excursion in Berlin and Ca Amatti would meet us there. After knowing a little of the city, I would go to the south of Germany and the rest of the group would go to Poland.

I was already very excited to get to know the city, as I discovered on our three-hour bus trip to the German capital that one of my favorite teen songs, Forever Young, is from a famous German band from the Cold War era, Alphaville. And, as the song itself says – life is a short trip – then we have to enjoy every second.

In the very first moments, we had a small incident involving the British royal family. When we were getting close to the hotel, dozens of streets were closed and police were everywhere. Due to the terrorist attacks of the last times, we were very afraid that something serious had happened. In the meantime, Ca had already arrived at the hotel and told us that the reason for all this confusion was that the British royal family was staying nearby.

We told the guide about the fact. He talked to the cops, explained that we were not terrorists or paparazzi, and they let us through. The guide joked: “Look, our hotel is full of police. We are staying at the Queen’s Hotel!” We arrived and the queen was not there, but Ca was. And it was a more important and special presence for us. Full of tight hugs and kisses and a little cry of happiness, it was an exciting reunion of the whole family. As it was late, we had a snack at the hotel, we did not stop talking for a minute to update the news and went to rest, because we would get up early the next day to explore the city.

Berlin is an impressive city, a living class of contemporary history. The next day, we walked a little by what remained of the Berlin Wall (for information on walls, and the Berlin Wall in particular, check out this post) and we saw how this construction meant fear and terror for the population at the time. We also went to the Jewish Memorial, where thousands of concrete boxes resemble a large cemetery, depicting the lives lost in World War II.

We also met the Cathedral and passed the island of museums and the parliament. We passed a ruined church and arrived at KaDeWe for lunch, the largest shopping mall in Europe. You find everything there: clothes, shoes, stationery, toys, food… I looked like a child during Christmas time when I went to explore the teas section and saw completely unknown brands and products. I leave a tip for you about the restaurant on the top floor: if you are in Berlin, it is well worth it. It has a kind of “Brazilian quilo restaurants” style. The price is very good and has many choices of food: vegetables, protein, carbohydrates.

We left the mall and took the subway at the oldest station in Berlin to the city’s 368-meter television tower. They say the view from up there is spectacular. Unfortunately we could not go up, had a huge queue and there were no more schedules available for the day. As our train departed in the afternoon, we left that experience for an upcoming trip (this is another tip for you: do not mess up like us and buy the ticket to go up the tower in advance).

With this change in our itinerary, we went to Plan B: to be lost in the city walking through picturesque places (to be lost only in the figurative sense, because Ca had a city map). As we needed to get back to the hotel to pick up our bags, we decided to make our way on foot. We went back through the cathedral and the island of museums, went to the bathroom of Humboldt University, the oldest in Berlin, founded in 1810. Albert Einstein, Karl Marx, Heinrich Heine are some of the famous names who studied there. Maybe did we walk the same corridors they had walked?

We passed the gate of Brandenburg, the old city gate. We were part of an immense human mass. Then we walked through a very beautiful and wild park, cutting path to the hotel. The city’s parks are inspired by the English parks, serve as a barrier of the city’s noises and are a refuge for the inhabitants of the city.

Upon arriving at the hotel, we took our bags and leave for the central train station, the Hauptbahnhof. My family’s train was leaving an hour before mine. It gave us time to eat something and have some coffee (tea for me). I went with them to the platform where they would take the train to Poland. There were lots of tightly hugged farewells. When they left, I was very emotional and cried a little bit. I was traveling by train for Europe alone for the first time. I was accompanied only by my trunk. Just me and myself. I felt like a frightened 16 year old girl. The sensation was overwhelming and at the same time wonderful. How far can we go if we follow our dreams and the beats of our hearts? If we dare open the door of our house and embrace the world?

I wandered around the station a little. I entered the bookstore. I looked for a bathroom, but since the cost to use was seven euros, I dropped the idea. I went to my platform. The train arrived on time. I got in the end of the train and my seat was at the beginning. I was a bit lost. I thought a man had sat in my seat, but I was in the wrong place. Until I walked the whole length of the train, everyone had already settled down. I found my place. A nice gentleman sat next to me and asked where I was from. When I told him I was from Brazil, he said: “What a journey”! And the adventure was just beginning. My friends were waiting for me in southern Germany, and I was anxious to get there.

Gigi Eco

About the movies I commented:
– Goodbye, Lenin!, released in 2003 and directed by Wolfgang Becker (and with the incredible soundtrack of Yann Tiersen), has as context the fall of the Berlin Wall and the reunification of the two Germanies. In the story, Alexander’s mother has a heart attack and faints, remaining in coma for eight months at the hospital, when the fall of the Berlin Wall occurs. In order to spare her mother’s weakened heart, Alexander does not tell about the transformations in the country and takes her home, an apartment where every detail has been preserved as if East Germany still existed.
– Wings of Desire, released in 1987 and directed by Win Wenders, portrays angels wandering the streets of a war-torn Berlin. This film is an overwhelming poem and you can check out a review of it here.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.