A fotógrafa
Ela previa a inundação. Sentia que podia encher o apartamento inteirinho de água. Salgada. Lágrimas. A tristeza que teimava em não sumir. Teimava em permanecer como uma sombra. Era o aviso prévio de que algumas coisas não podiam continuar. Que era preciso enfrentar os problemas teimosos. Aqueles que apareciam em todos os seus 21 anos, seja no personagem principal ou coadjuvante. Ou até mesmo nos dublês. Apesar das distintas aparências, eles sempre estavam lá.
Quando eles começaram? Essa era a pergunta que não saia de sua cabeça. Essa era pergunta que não a deixava dormir à noite. E Deus sabe como às vezes precisamos de perguntas que não nos deixem dormir à noite. A atmosfera era nova. E apesar de ela admitir que a mudança para a cidade grande era tranquila, agora via que isso era mentira. A adaptação era algo pelo qual passaria.
Nesse início, a mudança tinha dois lados – como um vinil. Lado A: não conseguia dormir. Revirava-se na cama à noite toda. Como o apartamento ficava no coração da cidade, o barulho dos ônibus e carros, brecadas, gritos… Tudo a acordava em plena madrugada, de sobressalto. Outra coisa que a incomodava era o silêncio de um apartamento. Mesmo morando com a irmã. É que antes estava acostumada às loucuras de uma casa cheia: pais, irmão caçula, pássaros e um imperador peludo. Parecia que no apartamento ela conseguia fazer tudo tão rápido – comer, tomar banho, ler… e sobrava tempo. Tempo teimoso. Tempo que demorava a passar. E aí, depois que ela terminava todos os afazeres do dia, vinha o silêncio. Apenas preenchido com os ruídos que vinham da rua. O silêncio talvez era o que mais a incomodava. Provavelmente ele era necessário. Fundamental para de uma vez por todas ela mergulhar em suas próprias profundezas. Sem medo. Uma viagem sem volta. Custe o que custar. Ela descobriria o motivo. Ela encontraria o caminho.
E o Lado B do vinil? O Lado B da mudança a inspirava a continuar. Era quando ela olhava da janela do seu quarto à noite os infinitos prédios e construções humanas. “Luzes na cidade”, sussurrava Charles Chaplin apenas para ela. E a garota, em retribuição pensava: “Um dia vou gravar no tempo essa vista. Os milhões de pontos de luz. Gravar em alta exposição e com um tripé. Uma foto digna de eternidade”. No fim, trata-se disso, não? Descobrir nosso caminho e gravar nossa marca no tempo. Para a eternidade. E enquanto a menina pensava, a lua cheia brilhava lá no alto em sua janela. Brilhava para ela.
E nessa noite sem estrelas, na qual apenas a lua era sua companheira, ela decidiu que se a mudança exigia adaptação, silêncio e noites mal dormidas, ela pagaria o preço. Tudo pela lua. Tudo pela inspiração de uma aventura. Como os desbravadores bem sabem, aventuras são como discos de vinis. Cada faixa é uma descoberta. Você não sabe o que esperar. Não sabe para onde será levado. É preciso dar o máximo de si, sem esperar pelos acordes fáceis, e assim você será recompensado.