Em busca do indizível

Já faz um tempo que adquiri um novo hábito: colecionar palavras intraduzíveis. Compro compêndios sobre essas preciosidades e livros inteiros dedicados a uma única palavra, anoto tudo o que descubro em um caderno, como uma boa investigadora. O poder que essas palavras têm é impressionante. São pura poesia ao carregar conceitos que refletem uma cultura e modos diversos de enxergar a vida.

Como apreender o intraduzível? Talvez essa pergunta seja a responsável pela grande atração que essas palavras me causam. Quem sabe uma possível resposta para a questão seja estar aberto ao novo, olhar a vida a partir de outras perspectivas, abraçar o diferente e mergulhar nos recônditos da vida humana. Como Ella Frances Sanders coloca:

A linguagem envolve seu entendimento e pontuação a nossa volta, incentivando-nos a ultrapassar limites e ajudando-nos a compreender as impossíveis e difíceis questões que a vida incansavelmente nos coloca”.

E as palavras intraduzíveis nos ensinam que a vida é preciosa nas sutilezas, na simplicidade de uma única palavra que guarda um mundo inteiro.

Sanders é a autora do livro Lost in Translation, um belíssimo compêndio ilustrado de palavras intraduzíveis de diversos idiomas. Essa obra foi definitivamente o que me motivou a começar minha coleção. Apaixonei-me naquele momento pelas palavras japonesas, amor que só cresce até os dias de hoje. Elas são sempre tão poéticas e avassaladoras ao tratar das sutilezas da vida! Aprendi que olhar para o horizonte sem pensar em nada especificamente é um/uma boketto. E que a luz do sol que é filtrada pelas folhas das árvores e deixa o ambiente todo magicamente dourado é komorebi. As tardes douradas em que observo a mágica do/da komorebi sempre me fazem suspirar… E os japoneses pensaram em um nome para esse fenômeno, isso não é incrível?

Eu poderia continuar falando infinitamente sobre as palavras japonesas que tanto amo. Wabi-sabi é sobre encontrar a beleza nas imperfeições e aceitar o ciclo da vida e da morte. E a palavra ikigai é a união dos termos que significam “vida” e “valer a pena”. De acordo com Héctor García e Francesc Miralles, ela é sobre a felicidade de se ter um propósito na vida que o faça levantar da cama todas as manhãs.

Mas não só o Oriente faz parte da minha coleção de palavras. Foi amor à primeira vista quando conheci a palavra grega meraki, que Sanders me apresentou: um adjetivo que significa se derramar com todo o coração em algo, como cozinhar bolachinhas de Natal, por exemplo, e fazer isso com criatividade e amor. Também tive uma fase escandinava, e me apaixonei pela palavra hygge, que guarda todo o estilo de vida dinamarquês. De acordo com Mike Wiking, ela é sobre bem-estar e conforto, sobre se sentir em casa e estar junto de quem se ama.

Também não posso deixar de mencionar mais uma palavra apaixonante, a finlandesa sisu. Mais uma que é impossível de ser traduzida e carrega a essência de uma cultura e de um lugar. Há algo de poético sobre uma única palavra que explica todo um país. Sisu pode ser traduzida como algo próximo da antiga expressão “ter colhões”. É a arte finlandesa da coragem, da resiliência e da perseverança. De acordo com Joanna Nylund, é aquela força que você guarda dentro de si e que te permite enfrentar as adversidades e os momentos mais sombrios.

E, deixei para o final, a palavra mais especial, que é da língua portuguesa: saudade. É um sentimento muito mais forte do que apenas sentir falta de algo ou alguém, como coloca Sanders. Essa palavra já foi e é inspiração para muitos artistas.

De que são feitos os dias?
– De pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças”.

(Cecília Meireles)

Saudade é a nostalgia por alguém ou algo que foi perdido. O desejo por algo que provavelmente não existe. É o recordar de memórias de bons tempos, da infância e de entes queridos. No Brasil, a palavra ganhou até um dia especial em que é celebrada: 30 de janeiro.

Descobrir palavras intraduzíveis sempre me fazem sorrir. Não aquele sorriso forçado em que a gente arreganha todos os dentes em foto posada. Mas aquele que alegra a alma e faz os olhos brilharem a ponto de lacrimejar um pouquinho de felicidade. São essas pequenas descobertas que me lembram de que o mundo é grande nas pequenas coisas. E que na pequenez de uma única palavra existe um universo desconhecido que espera por nós.

Para quem tem interesse no assunto, indico alguns livros:

Ikigai: os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz, de Héctor García e Francesc Miralles
Sisu: the Finnish art of courage, de Joanna Nylund
The little book of Hygge: Danish secrets to happy living, de Meik Wiking
Lost in translation: an illustrated compendium of untranslatable words from around the world, de Ella Frances Sanders

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.