Todo mundo mais do que nu

Eu comecei com a dança contemporânea há uns quatro anos. Precisava de um esporte/arte nova para me dedicar. Fui fazer uma aula experimental de kickboxing e depois uma de dança contemporânea. Nunca saí com tantos roxos no meu corpo como depois da aula de dança. O kickboxing não deixou nenhuma marca, a não ser o papo machista do treinador me chamando de menininha. Decidi continuar minha jornada na dança contemporânea.

Mesmo sendo muito tímida em muitas coisas na minha vida, nas aulas eu me soltava e tentava repetir os movimentos da melhor maneira possível. Tendo nascido no Brasil, num país em que a relação com o corpo é muito diferente da cultura alemã, foi muito estranho alguns treinamentos da aula, em que tínhamos que tocar, massagear e puxar as outras pessoas. Pessoas que eu não conhecia e que iriam me tocar também. Aprendi com o tempo a entender esse toque e aceitá-lo, convidá-lo para fazer parte da minha dança.

Quando completei um ano de prática, descobri um festival de dança contemporânea que ocorre todo ano aqui em Munique. Nele, existe a oferta dos mais diferentes workshops e muitas apresentações. Como não queria tirar férias para participar, tentei achar um que fosse só no fim de semana. Recomendado pela minha professora de dança preferida, fui procurar o workshop da Doris Uhlich. O workshop se chamava “Everybody more than naked” (que significa algo como “todo mundo mais do que nu”em tradução literal para o português) e na sua descrição trazia palavras como “técnica de mexer as gorduras”.

A princípio, fiquei intrigada. Teríamos realmente que ficar pelados? Como poderia tirar toda a minha roupa na frente de tantos estranhos? Por mais acostumada que estivesse ficando com a ideia de que alemães não têm inibição nenhuma com seus corpos e amam a cultura do nudismo (Freikörperkultur (FKK): cultura do corpo livre), pensei que seria uma oportunidade única de autoconhecimento e autoconfiança. Era uma experiência que eu não podia deixar de lado.

O workshop teve início num quente e nublado sábado de verão lá pelas 10 horas da manhã. Eu não sabia como me vestir. Se a gente vai ficar pelado, importa a roupa que começamos? Mesmo assim, coloquei uma roupa de fazer exercício e fui pedalando até o local. Chegando lá, comecei a conversar com uma das participantes, que também não sabia o que “vestir” e trouxe apenas um roupão para começar.

Na hora marcada, iniciamos todos sentados em um círculo para conversar sobre o que estava nos esperando. Cada um falou seu nome e expôs qual era sua relação com estar pelado na frente dos outros. Entre artistas que já fizeram performances nus, coreógrafos que colocaram outros pelados no palco, estudantes de diferentes tipos de arte, atores, um senhor acostumado a ir a praia de nudismo, eu era a menos experiente.

A professora colocou uma música tecno alta. Falou para a copiarmos. Nós mergulhamos nessa experiência louca. Depois de alguns movimentos, ela tirou a camiseta. Todos copiaram. Continuamos assim até estarmos todos nus correndo pela sala. Para tirar toda a inibição dos participantes e entre todos eles, o primeiro exercício que fizemos eram duas filas em que corríamos, abraçávamos a pessoa da frente e chacoalhávamos nossa carne para tentar manter a memória do toque. Cada vez praticávamos com uma pessoa diferente. E todos vestiam seu birthday suit, como diriam os britânicos.

Nesses dois dias, aprendemos a mexer a gordura de cada parte do nosso corpo ao som da música barroca. Descobrimos como usar diferentes partes do nosso corpo para fazer barulho, seja com um tapa na própria barriga, ou no movimento do bater entre dois corpos, como a barriga de um nas costas de outro.

No sábado, assistimos à apresentação da professora que a levou a começar a ministrar esse workshop de dançar pelado. Ela explicou que a ideia veio quando alguém lhe perguntou porque ela não coreografava algo que abraçasse seu corpo voluptuoso. Isso a levou a se perguntar o que era beleza e qual a definição que cada pessoa tinha da questão. Assim surgiu sua performance, em que ela discute esse conceito com “telefonemas” no palco, partindo para o momento em que ela começa a se despir enquanto dança. Usando talco em suas gorduras localizadas, a professora se move ao som de música barroca e toma o palco inteiro numa performance impressionante, nada sensualizada.

Jamais vou esquecer essa experiência e o autoconhecimento que me trouxe. O corpo nu não é apenas um objeto, algo a ser sensualizado. Dentro do corpo, há uma pessoa, com suas ideias, sua personalidade, suas opiniões. Depois desse fim de semana, nunca mais tive vergonha de colocar biquíni para ir na praia e na piscina. Meu corpo é meu e meu para cuidar.

A foto linda que abre esse post foi feita por James Nix.

Se você ficou interessado no trabalho da coreógrafa Doris Uhlich com sua técnica da dança pelada, assista ao vídeo: https://vimeo.com/180018708

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Written by Andressa Jendreieck
Andressa Jendreieck é feminista, aspirante a artista, ex-astrofísica. Procura questionar tudo com lógica, especialmente os costumes da sociedade. Apaixonada por dança contemporânea e amante de café, explora os cafés do movimento third wave para provar os melhores cafés do mundo.