Sobre biografias, histórias e intromissões na vida alheia
A interação social sempre nos dá pérolas, das raras às mais absurdas. Mas uma coisa é certa: todas essas preciosidades e bizarrices envolvem histórias. O mundo e as pessoas são movidos por narrativas.
O engraçado disso tudo nesse processo é que o ser humano é uma constante contradição. Por um lado, ele precisa contar suas histórias. Ele precisa ter certeza de que deixará sua marca no mundo e que, mesmo depois que ele já tiver virado pó, essas marcas ainda estarão lá, mostrando aos atuais viventes quem ele foi e o que ele fez enquanto aproveitava seu tempo aqui na Terra.
Das entrevistas que realizei nos últimos tempos e de uma aula preparada sobre biografias, fica esta certeza: as pessoas querem e precisam contar suas histórias. É uma questão de sobrevivência. É a tentativa de congelar no tempo momentos importantes e de produzir qualquer coisa que dê uma certeza de permanência no mundo, mesmo depois da morte.
E ao mesmo tempo em que as pessoas precisam contar suas histórias, elas também têm medo de suas vidas e fogem delas mesmas, do jeito que “o diabo foge da cruz”. Como sobreviver quando você foge da própria história? Nessa situação enlouquecedora, o sujeito passa a se preocupar com a vida alheia. Alguns dos comentários que me direcionaram nos últimos dias exemplificam essa questão (mas tenho certeza que você pode acrescentar muitos outros!):
“- Quanto você está pesando”?
“- Você está comendo de novo? Você está meio fofa, hein”! (quando eu estava me servindo de um lanche da tarde e a pessoa se referia a eu já ter comido no almoço e voltar a comer às 4 h da tarde novamente… Porque fazer jejum é a coisa mais natural da vida, né?)
“- Essa saia é horrível e você parece uma freira!
– E se ela virar freira”? (sobre usar saias longas e como elas incomodam os outros)
E minha única resposta para todos esses comentários é: “E daí”?
E daí se eu peso 40, 50, 70, 80, 100 kg?
E daí se a saia que eu uso é longa, curta, minúscula?
E DAÍ?
Eu só queria que as pessoas às vezes fossem um pouco menos maldosas e que parassem de refletir suas inseguranças e fragilidades na vida da gente. Mas elas não vão parar. Porque o ser humano é um bicho complicado, que não vem com manual de instruções. E se ele não está envolvido com os próprios dramas, ele está se intrometendo na vida alheia.
É uma pena. Se ele se preocupasse mais com a sua própria vida, o mundo ia ser um pouco melhor.