Poetas roubados – parte 2
A professora não podia acreditar no que seus ouvidos revelavam. Incrédula e bastante assustada, ela foi para casa com a certeza de que corvos, Poe e vozes sussurrantes não eram um bom sinal. Toda essa maluca aventura noturna foi o suficiente para resultar em uma noite insone. Corvos e poetas invisíveis a visitavam em sonhos, enquanto ela tentava dormir.
No dia seguinte, Amélia tentou seguir sua rotina. Ela tentou se convencer de que os sussurros de poesia eram parte de um delírio. Culpa da fome, do cansaço, do sono… Simplesmente não podia ser real! Sua mente lhe pregava alguma peça, isso sim. “Ontem não aconteceu nada fora do comum. Eu apenas imaginei coisas porque sinto falta de meu pai”, a professora dizia para ela mesma. Entretanto, sem muita convicção. Ao reencontrar a poesia – enterrada bem fundo em suas lembranças -, toda a sua lógica sumia em um piscar de olhos. Quem sabe, a poesia bate na porta da casa das pessoas assim – inesperadamente. É quando mais se precisa dela, mesmo que a pessoa necessitada não saiba disso.
E foram com essas divagações que a professora retornou para casa no dia seguinte ao episódio da livraria. Era o mesmo itinerário. Às dez horas da noite, ela ia para casa após um longo dia de trabalho. Não pensava no jantar. Sua cabeça estava a 300 metros longe de casa, em certa livraria. Ela passou o dia todo se convencendo de que corvos, sussurros e luzes de velas eram parte de um sonho maluco. Ela estava preocupada. Se ela ouvisse alguma voz estranha de novo, ela teria que parar. Era sua curiosidade: Amélia era uma insaciável exploradora.
A professora se aproximou do local do crime, só para garantir que a noite passada tinha sido um delírio. A cena mostrava uma livraria sinistramente escura e tudo parecia no seu devido lugar. Era tarde, o comércio já estava fechado. Amélia colocou seu ouvido na porta, apenas para confirmar que sua imaginação andava fértil demais. Entretanto, poetas invisíveis teimam em aparecer, uma vez encontrados. Ela reconheceu a voz assustadora: “Com esses fragmentos eu escorei minhas ruínas”… Era o fim de “A terra desolada”, o trabalho definitivo de T. S. Eliot. Por alguns segundos, ela se lembrou do pai novamente. Ele era professor de Literatura, um amante da poesia.
O homem costumava dizer que colecionava poetas. “Eu guardo todos eles no meu bolso”, sempre dizia. O pai lhe mostrou a beleza da poesia. Ele ensinou a filha a amá-la. A situação era toda estranha. A professora não pensava em poesia desde a morte do pai. E agora tudo voltava com a força de uma tempestade. Pensar sobre poemas costumava ser doloroso. E agora a poesia era a chave de um mistério. Naquele momento, em frente à livraria, ela reencontrou memórias e sentimentos antigos. Naquele dia, ela não incomodaria a misteriosa voz. Dessa vez, o mistério ia prevalecer. Ela foi direto para casa e removeu a poeira de seus velhos livros de poesia. As obras eram a herança que seu pai lhe deixou. Seu tesouro mais precioso: Poe, Eliot, Whitman, Dickinson – a seleção era completa.
(A CONTINUAR…)