Poetas roubados – parte 1
Era um dia comum. Após uma jornada extenuante de trabalho, a professora de matemática ia para casa. Com um calhamaço de provas para corrigir e muito cansaço, ela ansiava por chegar em casa, tomar banho e ir para cama. Amélia gostava de caminhar e fazia o percurso diário de seu trabalho a pé. Como de hábito, naquele dia ela rapidamente alcançou a rua de moradia após as lições que ministrou na escola. O local estava escuro e vazio. Provavelmente as famílias já estavam vendo televisão e as crianças estavam entretidas com os jogos do computador.
Com esses pensamentos e divagações, Amélia subitamente parou assustada. O motivo? Um pequeno detalhe fugia do rotineiro e simplesmente não se encaixava naquela cena. A velha livraria da rua estava fechada, mas uma estranha luz brilhava no interior do estabelecimento. “Quem sabe uma vela acesa”?, ela pensou.
A professora ficou curiosa. O acontecimento era um tanto incomum. O proprietário da livraria era um senhor de idade bastante avançada, cheio de manias. Sr. Goldman acordava com o canto do galo e dormia bem cedinho. Sua loja estava sempre fechada depois das seis horas da tarde. “Então, quem estava dentro da livraria com uma vela acesa? Não pode ser o senhor Goldman, nessas horas ele já está roncando alto”, a professora pensou.
A lógica imperava na vida dela. Uma vida toda construída em números. Das resoluções de difíceis equações e problemas matemáticos, observava-se um forte traço da personalidade de Amélia: a mulher não podia encontrar um mistério sem resolvê-lo. Um enigma era sempre um desafio. E, em momentos como aquele, ela não teve dúvidas: atravessou a rua e confrontou o mistério de frente.
Quem observasse a cena, acharia engraçado: uma mulher encarava uma livraria fechada. O passante provavelmente pensaria que ela é uma leitora voraz. Ou que é apaixonada pelo cheiro dos livros (mais uma pessoa louca que alimenta seu vício, como os observadores de pássaros e os aficionados por jogos, café e outras paixões indispensáveis para as vidas humanas).
Mas a parte mais insana da cena não era a misteriosa luz em uma livraria fechada. Ao se aproximar da fachada do prédio, Amélia começou a ouvir sussurros. Em uma primeira hipótese, a matemática pensou que era qualquer bobagem solta ao vento. Ou muito provavelmente uma conversa de bêbado. Entretanto, quando ela aproximou o ouvido da porta, a fim de escutar com mais exatidão as palavras sussurradas ao calor de uma livraria às escuras, a professora teve uma surpresa! Era poesia antiga. Pura. Leve como o ar. Resistente como o tempo. Aqueles versos, sob a proteção de uma livraria fechada, fizeram a professora tremer. Arrepios percorreram todo o seu corpo.
“Era uma meia-noite sombria, enquanto eu ponderava fraco e cansado…”, recitava a misteriosa voz. E, ao ouvir aquelas palavras, tão conhecidas, um nome assaltou seu pensamento: Edgar Allan Poe. Nesse momento, a professora podia jurar que ouviu o barulho de um corvo, o pássaro do livro do poeta que a voz lia. Ela reconheceria aqueles versos em qualquer lugar. Em todos os idiomas. Poe era o autor favorito de seu pai.
(A CONTINUAR…)
Nossa Gi, eu achei tão assustador o final, aqui em Varsóvia é cheio de corvos, eu não gosto deles. Andei tendo pesadelos… e eles grasnam… é terrível. Um dia desses eu quase fotografei um deles na rua Lipova, seria uma foto bem alla Poe, mas na hora em que ia dar o clique, o corvo voou na minha direção e grasnou. Eu realmente não gosto desses animais. 🙁 Beijos querida, ansiosa pelo final!!
hihihi, corvos são mesmo um tanto ameaçadores… principalmente o do Poe!!! Amanhã vou postar a continuação da história! 😉