Poetas roubados – Final
No próximo dia, Amélia não podia evitar seus sentimentos. A professora foi para a livraria e confrontou o senhor Goldman: “Bom dia! Posso lhe perguntar uma coisa? Estou muito curiosa. Você gosta de ler poesia à noite? Acho que escutei uma voz na livraria na noite passada”… O senhor Goldman respondeu rapidamente: “Isso é impossível, menina. Minha loja fecha às 18 horas, nenhum minuto depois. Eu só venho para a loja na manhã seguinte. Você está vendo coisas que não estão lá, minha jovem. Você está sonhando de olhos abertos”.
O velhote lhe deu um sorriso polido. O senhor Goldman pensou que ela estava enlouquecendo. “Mexer com números faz isso”, ele concluiu. A professora não conseguiu suportar aquela situação. Ela encarou o homem e disse com convicção: “Senhor, eu não estou louca. Você devia checar a sua seção de poesia. Ver se não faltam algumas obras”. A professora roubou a fala do velho. Mas não adiantou nada. O senhor Goldman não acreditou em uma mulher que escutava vozes de poetas invisíveis.
Enquanto o dono da livraria checava as acusações ditas por uma matemática perturbada, a Amélia não parava de pensar em Edgar Allan Poe, o autor de O Corvo: “Tudo o que vemos ou parecemos ver não passa de um sonho dentro de um sonho”. Os pássaros sinistros da história de Poe foram sua companhia para o trabalho. Naquele dia, ela não conseguia se concentrar. Ao invés de números, ela pensava em letras. Equações se transformavam em versos. “Hoje eu resolverei o mistério”, pensou.
E naquela noite, quando saiu do trabalho, a professora não parou na livraria e foi direto para casa. Ela tinha um plano: pegou um banquinho e voltou para a cena do crime. Iria pegar o infrator, custe o que custar. Ela iria esperar até o misterioso poeta sair da livraria.
10 horas. 11 horas. Meia-noite. Uma da manhã. Duas horas. Três horas da madrugada. A poesia corria solta. A professora não aguentou e cochilou um pouco. O recital parecia não ter fim. Às seis da manhã, o silêncio finalmente veio. Ela mal podia acreditar. Entretanto, era só silêncio. Nada de ruídos. Tosses. Espirros. Passos. Só silêncio. Ela quase desistiu. A professora levantou e pegou sua cadeira quando, de repente, ela ouviu um barulho na porta.
Em um minuto, a professora encarava um homem de meia-idade. Ele tinha bigodes e carregava vários livros de poesia na mão esquerda. Ele a encarava e, estranhamente, sorria. Era um sorriso amistoso. Os amantes de poesia se reconhecem sempre. O homem levou seu dedo indicador aos lábios: era um pedido de silêncio. Ele pedia para ela manter um segredo e a professora não podia recusar.
Como resposta, ela também sorriu. Agora eles eram cúmplices. O segredo estava selado por alguns bons versos. A escuridão os protegia. A professora piscou um olho. Seu gesto dizia: “Seu segredo está a salvo comigo”. Era um segredo que pedia apenas uma frase. O homem olhou diretamente para a professora e confessou o crime: “Eu não posso evitar. Eu coleciono poetas”.