De toda a fugacidade louca que é a vida,
o que eu tenho mais medo
não é de aranha,
nem de crise política e financeira,
e muito menos de uma guerra nuclear.
O que me assombra de verdade
é a fragilidade da memória
e o manto do esquecimento.
Tenho medo de esquecer…
…do som que fazia as patinhas do meu cachorro andando pela casa – téc-téc-téc – e da felicidade intensa que ele sentia ao pular nas nossas camas para nos acordar logo cedo pela manhã.
…do toque da minha mão acariciando seu pelo macio.
…da minha alegria ao ganhar minha primeira câmera fotográfica e da ansiedade em esperar a revelação do negativo para poder ver as imagens que saíram.
…do primeiro chiclete mastigado e de como aquela sensação foi horrível e gosmenta.
…das gargalhadas e do sorriso do meu avô quando contava piadas e de como ele parecia uma criança em dia de Natal quando via novidades gastronômicas para experimentar.
…daquele último aperto de mão que eu não sabia que seria o último.
Me assombra a possibilidade de esquecer…
…das histórias que meus avós contavam e contam sobre eles mesmos e meus pais e bisavós e tataravós e sobre tempos longínquos que não conheci.
…das idas à praia no verão.
…do esconde-esconde e do Clube Inominável.
…da família reunida conversando em roda.
…do café da tarde na chácara às quatro horas de todos os domingos de minha vida.
Estremeço só de pensar
na voracidade do tempo
diante dessas memórias fugidias.
Que o tempo destrua tudo,
menos essas gemas,
esses fragmentos de histórias.
Que esses ecos
repercutam
hoje e amanhã e sempre,
carregando o fogo
do amor e das paixões humanas
até o fim dos tempos.
Giovana Montes Celinski
Fear of impermanence
Of all the mad fugacity that is life,
What I’m most afraid of
it is not spiders,
nor of political and financial crisis,
and not either a nuclear war.
What really haunts me
is the fragility of memory
and the cloak of forgetfulness.
I’m afraid to forget…
…the sound that made my dog’s paws run around the house – téc-téc-téc – and the intense happiness he felt as he jumped on our beds to wake us up early in the morning.
…the touch of my hand caressing his soft fur.
…my joy when gaining my first camera and the anxiety in waiting for the revelation of the negative to be able to see the images that came out.
…the first chewing gum chewed and how that feeling was horrible and gooey.
…my grandfather’s laughter and smile when he told jokes and how he looked like a child on Christmas day when he saw some gastronomic novelties to try out.
…that last handshake that I did not know would be the last.
I am haunted by the possibility of forgetting…
…the stories that my grandparents told and tell about themselves and my parents and great-grandparents and great-great-grandparents and about distant times I did not know.
…the beach trips in the summer.
…the hide-and-seek and the Nameless Club.
…the reunited family talking in a circle.
…the afternoon coffee in the farmhouse at four o’clock every Sunday of my life.
I shudder to think
of the voracity of time
before these fleeting memories.
May time destroy everything,
less these gems,
these fragments of stories.
May these echoes
have repercussions
today and tomorrow and forever,
carrying the fire
of love and human passions
until the end of time.
Obrigada por me emocionar com sua poesia!!!
Fico tão feliz que gostou, mamma! =)
Senti uns arrepios lendo, muito poderoso Gigi, a escrita é uma forma de resistência, precisamos deixar pistas para a memória.
Obrigada, Ca! Me emocionei com o seu comentário sobre a escrita ser uma forma de resistência, poderosa essa frase!