In memorian – Churrasco na praia

A menina de cinco anos está ansiosa. Acabara de voltar de uma manhã na praia e a parte favorita do seu dia tinha chegado. Ela corre até o quintal onde o avô está na churrasqueira. Ela senta no banquinho e olha para as linguiças cruas na grelha, ávida por roubar a primeira que ficar pronta.

O avô sorri e diz:

– Vai demorar, Giovana. Pode ir brincar.

A menina, resoluta, comenta que não tem problema, que irá esperar. E, assim, ficam avô e neta, praticamente sem conversar, aproveitando esse momento juntos.

Quando eu penso no meu avô, essa é uma das primeiras lembranças que surgem na minha cabeça. Emociono-me de pensar nesse momento ordinário e ao mesmo tempo tão precioso, congelado para sempre nas águas profundas da memória. Um instante vivo, intenso e eternamente pulsante no meu coração.

Vovô Vitoldo nos deixou no último dia seis de setembro. Ficou muita saudade desse homem sempre tão correto e elegante. De bigodes negros, suspensórios e camisa xadrez, quando eu chegava na sua casa, ele levantava da poltrona em que assistia televisão – ‘Domingão do Faustão’ ou algum jogo de futebol – e sempre me recebia com um sorriso e muita alegria.

Dentista. Professor. Pai. Avô.

Vitoldo sempre foi muito ansioso por agir em todos os momentos da forma mais correta possível. Ele também sempre teve curiosidade de saber o que acontece com a gente depois da morte. Ele lia, gostava muito de ler. Deu-me a oportunidade de ir para a Polônia pela primeira vez em uma das viagens mais loucas e lindas e extraordinárias que eu fiz na vida. E vovô sempre levava eu e a Ca Amatti escolher livros na livraria.

Quando éramos crianças, Vitoldo também costumava ir na banca de revistas e as moedas do troco ficavam em seus bolsos. Quando ele chegava em casa e sentava na sua poltrona, elas caíam no chão. E nós, os netos, corríamos atrás desse pequeno tesouro. Às vezes conseguíamos até comprar um Kinder Ovo. Era uma grande diversão caçar essas moedas que caíam embaixo do sofá.

São tantas lembranças incríveis!

A vida te atinge com um soco no estômago quando você olha para o rosto de um ente querido e você sabe que pode ser a última vez que irá fazer isso. Depois desse instante, esse rosto irá visitá-lo nas lembranças. Nas fotografias. Nas águas poderosas da memória.

Vovô já estava doente havia mais de um mês. E a gente acompanhava sua luta cotidiana com a morte. Sempre barganhando por mais um dia. Mais um suspiro. Ele sempre foi um homem forte. Estava lúcido até o fim. Sempre teimoso. Brigando com todos para agir sempre do jeito que ele acreditava ser o mais correto.

No dia do meu aniversário, eu fui visitá-lo no hospital. Ele comeu um pedacinho de nega maluca para comemorar. Na saída, ele apertou forte a minha mão. Lançou-me um olhar sério, como se dissesse: “Não tem jeito”. Eu só lembro daquele aperto de mão forte. Foi a nossa despedida. Ele faleceu naquela noite.

Agora, sempre quando penso nele, transporto-me para aqueles verões passados no litoral e viro outra vez a menina que corria para ficar ao seu lado na churrasqueira, esperando para surrupiar a primeira linguiça do churrasco. Sorrio. Apesar do vazio e da saudade, só tenho a agradecer por ter esse avô tão querido e maravilhoso na minha vida. Por seu exemplo e por todos os momentos especiais que vivemos.

No fim, a vida se faz desses pequenos instantes extraordinários – das linguiças e moedas roubadas, dos sorrisos e do amor -, e das pessoas incríveis com as quais compartilhamos nossas jornadas.

Giovana Montes Celinski

In memorian – Barbecue on the beach

The five-year-old girl is anxious. She had just returned from a morning at the beach and the favorite part of her day had come. She runs into the yard where her grandfather is doing barbecue. She sits on the stool and looks at the raw sausages on the grill, eager to steal the first one to be ready.

The grandfather smiles and says:

“It will take time for the sausages to be ready, Giovana. You can go play”.

The girl, resolute, comments that she has no problem, that she will wait. And thus, grandfather and granddaughter stay there, practically without talking, enjoying this moment together.
When I think of my grandfather, this is one of the earliest memories it comes in my head. I am thrilled to think of this ordinary and yet so precious moment, frozen forever in the deep waters of memory. A moment that is alive, intense and eternally pulsating in my heart.
Grandpa Vitoldo left us on September 6th. I will always miss this man who was always so correct and elegant. With black mustaches, suspenders and plaid shirts, when I arrived at his house, he would get up from the armchair where he used to watch television – ‘Domingão do Faustão’ or some football game – and he would always welcome me with a smile and a lot of joy.
Dentist. Professor. Father. Grandfather.
Vitoldo had always been very anxious to act at all times in the most correct way possible. He was always curious to know what happens to us after death. He read, he really enjoyed reading. And he gave me the opportunity to go to Poland for the first time on one of the most crazy and beautiful and extraordinary journeys of my life. And Grandpa always took me and Ca Amatti to choose books in the bookstore.
When we were kids, Vitoldo also used to go to the newsstand and the change coins he used to keep in his pockets. When he got home and sat in his chair, they fell to the floor. And we, the grandchildren, chased after this little treasure. Sometimes we could even buy a chocolate. It was a great fun to hunt down those coins that fell under the couch.
There are so many incredible memories!
Life hits you with a punch in the stomach when you look at a loved one’s face and you know it may be the last time you will do that. After that instant, this face will visit you in the memories. In the photographs. In the powerful waters of memory.
Grandpa had been sick for over a month. And we followed his daily struggle with death. Always bargaining for another day. For one more breath. He was always a strong man. He was lucid to the end. Always stubborn. Fighting with everyone to act always the way he believed to be the most correct.
On my birthday, I went to see him at the hospital. He ate a little piece of chocolate cake to celebrate. On the way out, he squeezed my hand tightly. He gave me a serious look, as he was saying: “There’s no way”. I just remember that strong handshake. It was our farewell. He passed away that night.
Now, whenever I think about him, I take myself to those summers spent on the coast and I turn again the girl who ran to stand beside him on the yard, waiting to steal the first sausage from the barbecue. I smile. Despite the emptiness and longing, I only have to thank for having such a beloved and wonderful grandfather in my life. For his example and for all the special moments that we lived together.
In the end, life is made up of these extraordinary little moments – the stolen sausages and coins, the smiles and the love – and the incredible people with whom we share our journeys.
Giovana Montes Celinski
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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.