Imagine uma época em que os livros são proibidos
– Você é um romântico incurável – disse Faber. – Seria cômico se não fosse trágico. Não é de livros que você precisa, é de algumas coisas que antigamente estavam nos livros. As mesmas coisas poderiam estar nas “famílias das paredes”. Os mesmos detalhes meticulosos, a mesma consciência poderiam ser transmitidos pelos rádios e televisores, mas não são. Não, não. Absolutamente não são os livros o que você está procurando! Descubra essa coisa onde puder, nos velhos discos fonográficos, nos velhos filmes e nos velhos amigos; procure na natureza e procure em você mesmo. Os livros eram só um tipo de receptáculo onde armazenávamos muitas coisas que raceávamos esquecer. Não há neles nada de mágico. A magia está apenas no que os livros dizem, no modo como confeccionavam um traje para nós, a partir de retalhos do universo. É claro que você não poderia saber disso, é claro que você ainda não pode entender o que quero dizer com tudo isso.
(…)
Você sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar pelo microscópio. Você encontraria vida sob a lâmina, emanando em profusão infinita. Quanto mais poros, quanto mais detalhes de vida fielmente gravados por centímetro quadrado você conseguir captar numa folha de papel, mais “literário” você será. Pelo menos, esta é a minha definição. Detalhes reveladores. Detalhes frescos. Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida.
Fahrenheit 451
Ray Bradbury