Pôr do sol em Ponta Grossa. Não há nada como as constelações da nossa infância.
Sunset in Ponta Grossa – Brazil. The best constellations are those from our childhood.

Adoro coleções. Tenho várias. Desde algumas mais comuns, como livros e cartões-postais, até outras mais sentimentais como pedrinhas das cidades dos meus antepassados, flores secas, conchinhas e enfeites de Natal das praias e dos lugares que eu já visitei. Coleciono também o pôr do sol.

Começou naturalmente na terra onde cresci em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Acho que lá estão os entardeceres mais lindos e os mais saudosos. Vovó Estela sempre contava que seu pai, o Seu Aguilar, apreciava muito assistir ao pôr do sol, que lhe dava aquele sentimento de nostalgia, saudade de algo que não conseguimos totalmente descrever.

Pôr do sol próximo à Chácara São João, em Ponta Grossa.
Sunset close to St. John’s Farm (Ponta Grossa – Brazil).

Às vezes o entardecer nos traz uma certa melancolia. O Pequeno Príncipe, personagem criado por Antoine de Saint-Exupéry, também apreciava muito assistir a chegada da noite em seu asteróide B612. Como o seu asteróide era pequeno, era só recuar um pouco a posição da cadeira e ele podia assistir quantas vezes quisesse. Perguntaram a ele se estava muito triste no dia em que assistiu 43 vezes, mas ele não quis responder.

No nosso planeta azul não basta recuar a cadeira, é preciso esperar, um dia após o outro o momento certo. Sempre gostei de observar as cores do céu mudando enquanto viajo, nas viagens de ônibus de Ponta Grossa a Curitiba, ou mais recentemente nas viagens de trem entre Cracóvia e Varsóvia. O céu sempre em constante transformação, até finalmente ver surgir a lua e toda a via láctea – as irrecuperáveis cores do céu, como escreveu Borges. Mas não é incrível que hoje possamos capturar cada tonalidade fugidia, congelar esses instantes tão fugazes com um clique do nosso celular?

Entardecer na praia de Maragogi, em Alagoas, junto à família. Literalmente vendo a noite descer sobre o mar e a areia.
Nightfall in Maragogi Beach (Alagoas – Brazil) with my family. Literally watching the night covering the sea and the sand.

Acho que junto com o ato de colecionar está presente o desejo de preservação da nossa história e das nossas lembranças. É como se colecionando alguns objetos, fixando na fotografia alguns momentos, pudéssemos deixar pistas para a nossa memória e para aqueles que virão depois de nós, como um mapa sobre a nossa vida e sobre os estados de nosso coração. Pois cada fotografia nos remete a uma lembrança vívida do nosso passado.

Calvino escreveu um ensaio incrível sobre uma exposição de estranhas coleções que ele visitou em Paris. A que mais lhe chamou a atenção foi uma coleção de areia. Seria essa coleção motivada por uma ânsia, por uma inquietude geográfica? Afinal, o que seria uma coleção? Uma descrição do mundo? Um diário secreto do colecionador? […] Como toda coleção, esta também é um diário: diário de viagens, claro, mas também de sentimentos, de estados de ânimo, de humores. […] Ou talvez apenas diário daquela obscura agitação que leva tanto a reunir uma coleção quanto a manter um diário, isto é, a necessidade de transformar o escorrer da própria existência numa série de objetos salvos da dispersão, ou numa série de linhas escritas, cristalizados fora do fluxo contínuo dos pensamentos.

Pôr do sol na ilha de Mykonos – Grécia, se aventurando e celebrando a vida com S.N.
Sunset in Mykonos – Greece, living an adventure and celebrating life with S.N.

Os objetos da minha coleção particular, as fotografias do entardecer, me remetem às viagens em família, aos momentos de contemplação que compartilhamos juntos, me remetem às pessoas preciosas que conheci e com as quais compartilhei uma época. Amo o entardecer. Não há nada como um amigo e um pôr do sol para aquecer a alma. Seja numa aventura pela Grécia junto com S.N., ou com D.J. no final de um ano desafiador em Cracóvia.

Há algo de extremamente mágico nessa hora. Como se víssemos um poema no céu. Como se uma poeira dourada cobrisse os bosques, nossos olhos e nossos lábios. Foi num entardecer de verão em Varsóvia, pouco depois de surgirem as primeiras estrelas, que me apaixonei. Tinha o céu inteiro nos olhos, e o céu estava azul e dourado (Camus).

Entardecer na ilha de Santorini – Grécia. Curiosidade: todos dizem que o pôr do sol em Santorini é o mais lindo do mundo. De fato, é mesmo muito encantador. No primeiro que assistimos, a recomendação era para chegar cedo para pegar um bom lugar. Nós achamos que a recomendação era uma brincadeira… será que é possível faltarem bons lugares para assistir o pôr do sol? Nós descobrimos que sim!! No entardecer seguinte chegamos cedo para garantir uma boa vista. Se você for a Santorini, fica a dica. / Nightfall in Satorini – Greece. Curiosity: Santorini’s inhabitants say that the sunset here is the most beautiful in the world. It is indeed very charming. In our first time watching it, we received the recommendation to arrive early so we could find a good seat. We didn’t take it too seriously… is it possible that there are not enough places to watch the sunset? We found out that it is!! In the next sundown we arrived pretty early to get a nice view. If you ever go to Santorini, you know what to do.
Anoitecer na ilha de Mykonos – Grécia e na cidade de Famagusta – Chipre.
Nightfall in Mykonos – Greece and in the city of Famagusta – Cyprus.
Entardecer em Varsóvia, no parque Królikarnia e no parque Szczęśliwicki, os melhores para se apaixonar.
Nightfall in Warsaw, in Królikarnia park and Szczęśliwicki park, the best ones to fall in love.
O lugar mais lindo para assistir o pôr do sol em Roma, o Giardino degli Aranci.
The most beautiful place to watch the sunset in Rome, the Giardino degli Aranci.
Pôr do sol sobre as antigas muralhas de Famagusta – Chipre.
Sunset on the ancient walls of Famagusta – Cyprus.

Sugestões de leitura (se você gostou desse texto, certamente irá gostar dos livros que me inspiraram):
– O Pequeno Príncipe (capítulo 6), de Antoine de Saint-Exupéry
– Coleção de areia (ensaio), de Italo Calvino
– Ficções (O jardim dos caminhos que se bifurcam), de Jorge Luis Borges
– O Estrangeiro, de Albert Camus

Collection of sunsets

I love collections. I have many of them. From some more common like books and postcards to others more sentimental such as pebbles from villages my forefathers came from, dried flowers, sea shells and Christmas ornaments from beaches and places I’ve been to. I collect also sunsets.

It started spontaneously in the land where I grew up – in Ponta Grossa, a medium-sized town in the South of Brazil famous for its wavy fields. I believe that the most beautiful and the most wistful sunsets can be experienced there. My grandma Estela used to tell us that her father, Dom Aguilar, loved to watch the nightfall, which gave him a feeling of nostalgia and saudades (saudades is one of the most beautiful words of the Portuguese language, but its full meaning is difficult to translate – here it means he was missing very much something he couldn’t completely name or describe).

Amo quando as melhores vistas são aquelas da janela do nosso quarto (Ponta Grossa – Brasil).
I love when the best views are the ones we see from our window (Ponta Grossa – Brazil).

Sometimes the sundown brings us a bit of melancholy. The Little Prince, a character created by Antoine de Saint-Exupéry, also loves watching the nightfall in his asteroid B612. As the asteroid was very small, it was just a matter of moving his chair a bit backward, so he could watch it as many times as he wished. They asked him if he was too sad on the day he watched it for the 43rd time, but the Little Prince didn’t want to answer.

In our blue planet moving the chair a bit backward is not enough. We need to wait one day after the other till the next sunset arrives. I always enjoy observing the changing colours of the sky while I am travelling – on the bus from Ponta Grossa to Curitiba, or more recently in the train from Cracow to Warsaw. Watching the sky in its constant transformation till the moment the moon and the whole Milky Way are visible – the irrecoverable colours of the sky, as Borges wrote. But isn’t it incredible that today we can capture every fleeting shade, that we can keep an image of these fugacious moments with just a click in our mobile phones?

Entardecer sombrio nas cidades históricas de Minas Gerais – Brasil.
Dark sunset in the historical cities of Minas Gerais – Brazil.

I believe that the desire to preserve our personal history goes hand in hand with the act of collecting. It is like by collecting some objects or instilling moments in the photographs that we can leave traces to our memory and for the memory of those who will come after us. The collections are maps of our lives and the states of our heart. Each photograph has the power to remind us of a vivid reminiscence of our past.

Calvino wrote an instigating essay about an exhibition of weird collections he visited in Paris. The one which drew his attention the most was a collection of sand. Would this collection be motivated by a craving, a geographical restlessness? After all, what a collection actually is? A description of the world? The collector’s secret diary? […] Just like every collection, this one is a diary as well: a diary of travels, of course, but also of feelings, states of mind, moods […] Or perhaps it is only a record of that obscure mania which urges us as much to put together a collection as to keep a diary, in other words the need to transform the flow of one’s own existence into a series of objects saved from dispersal, or into a series of written lines abstracted and crystallized from the continuous flux of thought.

As irrecuperáveis cores do céu de Alagoas – Brasil.
The irrecoverable colours of the sky in Alagoas – Brazil.

The objects of my particular collection, photographs of sunsets, take me back to my family trips, to the moments of contemplation we shared together, to the loved and precious people I met and with whom I shared a period of my life. I love the sundown. There is nothing better than a friend and a sunset to warm the soul, may it be in an adventure through Greece with S.N. or with D.J. at the end of a challenging year in Cracow.

There is something magical in the twilight. A poem is written in the sky. A golden dust covers the woods, our eyes and our lips. It was a summer nightfall in Warsaw when I fell in love, while the first stars appeared in the sky. I had the whole sky in my eyes and it was blue and gold (Camus).

Entardecer na ilha de Santorini – Grécia.
Nightfall in Santorini – Greece.
Há algo de apaixonante nas cidades italianas. Gigi Eco e eu chegamos em um pequeno vilarejo à beira do Lago d’Iseo chamado Lovere e fomos atraídas por uma melodia que gostamos de tocar no piano. Seguimos a música e nos deparamos com um portal que dava para duas escadarias. Uma com a inclinação padrão de todas as escadas, a segunda, bastante íngreme, não era muito convidativa, mas era de lá que vinha a música. Tínhamos que segui-la. No alto, nos deparamos com uma exposição de telas incríveis de uma artista local que nos tocou a alma, cheia das cores do entardecer. As mesmas que encontramos pouco depois em Verona. / There is something lovely in Italians cities. Gigi Eco and I once arrived in a small village by the Iseo’s Lake named Lovere. Immediately we were attracted by a melody we liked to play in the piano. We followed the song and we found ourselves in a door gate leading to two different stairs. One of them had a standard slope. The other was not very inviting, because it was too steep, but the music was coming from there. We had to follow it. At the top we found an exhibition with amazing paintings of a local artist, which touched our soul. The works were full of nightfall colours. The same shades of gold, violet and blue we found later in the sky of Verona. 
Em Cracóvia, quando da janela do meu quarto vi que o céu preparou um poema para mim.
In Cracow, when you look through the window of your room, you notice that the sky prepared a poem just for you.
Entardecer em Roma e Atenas.
Nightfall in Rome and Athens.
Às vezes a gente está acostumado a sair do trabalho correndo, sem prestar muita atenção ao nosso redor. Nesse caso, a gente pode perder um espetáculo bem diante dos nossos olhos. Cracóvia, 2017. / Sometimes leave work in a hurry, without paying too much attention to what surrounds us. In such cases, we might miss a spectacle just before our eyes. Cracow, 2017.
Pôr do sol que aqueceu meu coração ao final de minha estada em Cracóvia. Obrigada D.J. pela amizade e carinho!
This sunset warmed my soul in the end of my stay in Cracow. Thank you, D.J. for your friendship!

Reading suggestions (if you enjoyed this text, I am sure you will like the books that inspired me):
The Little Prince (chapter 6), by Antoine de Saint-Exupéry
Collection of Sand (essay), by Italo Calvino
Fictions (The Garden of Forking Paths), by Jorge Luis Borges
– The Stranger, by Albert Camus

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Written by Ca Amatti
Ca Amatti é arquiteta restauradora, apaixonada pelos edifícios antigos, por viagens e artes gráficas. Tem saudades do futuro, mas ama os vestígios do tempo no mundo. Atualmente reside em Varsóvia, protegendo velhos palácios e monumentos dos efeitos devastadores do tempo e do esquecimento.