A cor dos nossos dias

Quanta intensidade colocamos nos nossos dias? Digo intensidade mesmo. Estar presente. Sem distrações. Sem smartphones. Sem checar o WhatsApp a cada cinco minutos. Estar presente como alguém inserido em um local, vivendo determinada situação. Como um observador. E como um agente. Alguém que age e toma decisões. Alguém que compartilha e estabelece vínculos.

Eu me peguei pensando nessa questão da intensidade nos últimos tempos, após retornar de uma viagem ao Velho Mundo. A Europa sempre me impressiona. É admirável como ela faz do tempo seu aliado para intensificar ainda mais sua beleza: na arquitetura, na natureza, nos cenários de tirar o fôlego que rememoram tempos antigos. A resistência confere ao espaço o peso de uma verdade, pois mostra a memória, o amor, as angústias, os anseios e o sofrimento de um povo.

E, naqueles dias em que corria de um lado para o outro, aproveitando ao máximo tudo o que acontecia ao meu redor, perguntei-me: por que não é sempre assim? O quanto de cor colocamos nos nossos dias? Na nossa rotina habitual?

A gente devia sair de casa todo dia animado para explorar esse mundão. Ansiosos por deixar nossa marca. Por amar. Por compartilhar nossos sonhos. Por sermos surpreendidos pelo inesperado.

Mas quando estamos na zona de conforto da rotina… Ah, é mais fácil deixar o despertador no modo soneca e dormir mais dez minutinhos. É mais fácil ligar a televisão no final do dia e assistir a qualquer programa para passar o tempo. Se alguém te perguntasse “O que você está assistindo?”, provavelmente a resposta seria “Eu não sei”, porque a gente costuma ver televisão, mexer no celular e fazer alguma outra coisa também, tudo junto e ao mesmo tempo.

Preocupa-me muito esse déficit de atenção generalizado que se instalou nas nossas vidas. Vocês já pararam para pensar? A gente desaprendeu a enxergar. A gente desaprendeu a prestar atenção nas pessoas a nossa volta e ter uma conversa decente olho no olho. A gente até desaprendeu a ter uma conversa decente nas mensagens instantâneas do celular.

Talvez por isso os dias da rotina sejam normalmente mornos. Acinzentados. Perdemos a capacidade de estabelecer vínculos. Conexões reais. Tentamos preencher o nosso vazio (e o nosso tempo) com a superficialidade das postagens das redes sociais. Buscamos suprir nossa carência afetiva postando fotos e acontecimentos da nossa vida por esse universo vasto da Internet. Esperamos por uma curtida, uma palavra, um emoticon que alimente nosso ego e reforce essa falsa sensação de que estamos conectados. Que estamos interagindo. Que temos milhares de amigos por todo esse mundo afora. Que as pessoas se importam de fato com o que acontece na nossa vida.

A verdade é que nos perdemos de nós mesmos no meio de toda essa avalanche de informações e novas plataformas e tecnologias que surgem a todo momento no mercado. Nessa sociedade do espetáculo de que fala Guy Debord, na qual viver passa a ser uma representação, viramos Narcisos apaixonados por nossa própria imagem dos perfis das redes sociais. Individualistas, ansiamos por vínculos e amor, mas ao mesmo tempo não somos capazes de estabelecer uma relação em que prevaleça a empatia. Não cedemos. Não temos tempo para nada. A não ser para aquilo que queremos fazer. Do nosso jeito. Desaprendemos que uma conexão real exige comprometimento. Cuidado. Paciência. Que não se constrói da noite para o dia.

Por isso, somos gerações que vivem dias mornos e acinzentados, isoladas em seu quartinho. Matando (literalmente) o tempo precioso que temos, pois estamos amortecidos pelas postagens das redes sociais e por tudo que assistimos no Netflix e no YouTube, ansiando por experiências e vínculos que nunca estabeleceremos se não nos dignarmos a levantar do sofá.

Li nos últimos dias sobre uma palavra irlandesa intraduzível, Taom, que significa, de acordo com Luci Collin, “uma onda esmagadora de emoção”. Talvez, se não quisermos continuar matando nossos dias com o veneno lento e eficaz da superficialidade e do blá-blá-blá, precisamos desesperadamente reaprender a ver. A observar o mundo e as pessoas pelos olhos curiosos de uma criança. Precisamos nos despir de toda a mágoa, ciúme e culpa. Precisamos abraçar a vida com toda a intensidade que ela exige.

Intensidade. Essa é a chave.

Giovana Montes Celinski

The color of our days

How much intensity do we put in our days? Intensity, really. Being present. With no distractions. No smartphones. Without checking WhatsApp every five minutes. Being present as someone inserted in a local living situation. As an observer. And as an agent. Someone who acts and makes decisions. Someone who shares and establishes connections.

I found myself thinking about this question of intensity in recent times after returning from a trip to the Old World. Europe always strikes me. It is admirable how it makes time its ally to further intensify its beauty: in architecture, in nature, in breathtaking scenarios that recall ancient times. Resistance confers on space the weight of a truth, because it shows all the memory, love, anguish, longings and suffering of a population.

And in those days when I was running around, observing everything around me, I wondered: why is not always like this? How much color do we put in our days? In our usual routine?

We should leave our home every day spirited to explore this world. Looking forward to leaving our mark. To loving. To sharing our dreams. To being surprised by the unexpected.

But when we are in the comfort zone of our routine … Oh, it is easier to leave the alarm clock in snooze mode and to sleep another ten minutes. It is easier to turn on the television at the end of the day and watch any program to pass the time. If someone asked you “What are you watching?”, the answer would probably be “I don’t know”, because we usually watch television, use the cell phone and do something else too, all together and at the same time.

I am very worried about this generalized attention deficit that has settled in our lives. Did you think about it? We unlearned to see. We unlearned to pay attention to the people around us and to have a decent eye-to-eye conversation. We even unlearned to have a decent chat in the instant messages on the phone.

Maybe that’s why the days of routine are usually savorless. Greyish. We have lost the ability to establish real connections. We try to fill our void (and our time) with the superficiality of social networking posts. We seek to fill our emotional need by posting photos and events of our lives through this vast universe of the Internet. We hope for a liked, a word, an emoticon that nourishes our ego and reinforces this false sense that we are connected. That we’re interacting. That we have thousands of friends all over the world. That people really care about what happens in our lives.

The truth is that we lost ourselves in the midst of all this avalanche of information and new platforms and technologies that appear at all times in the market. In this society of the spectacle spoken by Guy Debord, in which to live happens to be a representation, we become narcissistic in love with our own image of the profiles of our social networks. Individualists, we long for bonds and love, but at the same time we are not able to establish a relationship where empathy prevails. We do not give up. We do not have time for anything. Except for what we want to do our own way. Let us learn that a real connection requires commitment. Caution. Patience. That is not built overnight.

Therefore, we are generations that live savorless and gray days, isolated in our room. Killing (literally) the precious time we have, because we are cushioned by the posts of social networks and by everything we watch on Netflix and YouTube, longing for experiences and links that we will never establish if we do not dare to get off the couch.

I have read in recent days about an untranslatable Irish word, Taom, which means, according to Luci Collin, “an overwhelming wave of emotion”. Perhaps, if we do not want to continue killing our days with the slow and effective poison of superficiality and blah blah blah, we desperately need to relearn to see. Watching the world and people through the curious eyes of a child. We need to get rid of all the hurt, jealousy and guilt. We need to embrace life with all the intensity it demands.

Intensity. That’s the key.

Giovana Montes Celinski

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.