As chaves do Jardim Secreto

Sempre quando eu preciso indicar onde moro, eu falo: “É a casa com os muros de hera” e, mentalmente completo para mim mesma, “onde fica o Jardim Secreto”. Na obra de Frances Hodgson Burnett, O Jardim Secreto, a protagonista Mary Lennox, após ficar órfã e passar a morar em uma mansão cheia de mistérios do tio, descobre um jardim que ficara 10 anos abandonado e a menina decide recuperá-lo.

Diferentemente da história, em minha casa as plantas não estão abandonadas (mamma, a jardineira fiel, cuida muito bem delas), mas quando lá estou sempre sinto essa aura de mistério e descoberta do Jardim Secreto de Burnett. Cada dia há uma novidade: flores que desabrocham, mudas que começam a se desenvolver, roseiras gigantes que desejam alcançar o céu…

A roseira que queria alcançar o céu. * The rosebush that wanted to reach the sky.

Eu nunca fui o tipo de pessoa “amiga das plantas”. Todas as orquídeas que ganhei precisaram ser resgatadas de minha casa para sobreviver e a única plantinha com a qual me dei bem foi o cacto que ganhei da Ca Amatti. Eu sempre me esquecia de regá-lo, mas considerando sua natureza que gosta de um clima de deserto, ele estava sempre vistoso e verdinho.

Além desses dissabores e tristezas que as plantas enfrentaram em meus cuidados, meu histórico piorou (e muito) no ano passado, quando também me tornei uma assassina de plantas (e não é com orgulho que eu admito isso). Meus pais viajaram por uma semana e fiquei responsável por cuidar das plantinhas do nosso Jardim Secreto particular. Infelizmente, a planta de folhas roxas exóticas secou por falta de água. Mamma deixou-a pendurada em uma árvore do Jardim até hoje, talvez com esperança de que ela se recupere, ou como um lembrete para a próxima vez em que eu ficasse responsável temporariamente pelo Jardim.

Toda essa introdução é importante para vocês, caros leitores, perceberem como foi difícil e desafiadora a minha tarefa de todo o mês de maio: assumi o cargo de jardineira temporária do Jardim Secreto. Hoje, no último dia da minha função, eu trouxe as chaves desse lugar cheio de mistérios e beleza, vou apresentá-lo para vocês e contar um pouquinho do que aprendi com essa missão.

Todos os dias do mês de maio eu precisei reservar uma hora do meu dia para cuidar das plantas. Muitas vezes ia cedinho para a minha tarefa, outras deixava para o final da tarde. Gostava sempre de começar as atividades pelo lado em que mamma deixou a planta morta pendurada em uma árvore. Era um lembrete de que eu tinha dezenas de seres vivos sob o meu cuidado e de que não podia esmorecer. Esquecimento não podia fazer parte do meu dia a dia, então foi uma palavra que troquei por outra muito melhor: comprometimento.

Minha vítima: a planta exótica com folhas roxas. * My victim: the exotic plant with purple leaves.

Exupéry já dizia em O Pequeno Príncipe:

“Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante”.

Tempo é uma moeda preciosa nos dias de hoje. Ninguém tem sobrando, mas todo mundo quer para gastar navegando na internet. Eu decidi que aproveitaria ao máximo essa uma hora diária com a natureza para me reconectar com a Terra e para me reeducar. Comecei a repetir para mim mesma que sempre precisamos ter tempo para aquilo que realmente importa: para conversar olho no olho com a família e os amigos, para passar tempo com os avós, para cuidar do nosso jardim, para tudo aquilo que nos arrependeremos de não ter feito quando a velhice chegar, para entender nosso propósito de estar aqui nesse planeta azul.

Outro ensinamento que aprendi nesse mês, ao regar as orquídeas do orquidário, é que o ato de cuidar das plantas é de amor incondicional: é uma doação desinteressada, um ato de respeito à Terra e ao Universo. É o momento em que esquecemos de nós mesmos e de nossos problemas cotidianos e prestamos atenção no sussurro das plantas. Observamos como estão as raízes, tocamos na terra para ver se está seca, notamos o aspecto das folhas, pulverizamos vitaminas.

As plantas retribuem o zelo do jardineiro com presentes extraordinários: o desabrochar das flores de cores intensas; o vigor dos temperos, poderosos remédios para nossa alimentação; o amadurecimento das frutas. É difícil colocar em palavras a minha alegria quando as orquídeas sapatinho desabrocharam, ou quando pude conhecer as pequenas flores do manjericão e do alecrim, ou quando senti o perfume da lavanda. O Jardim me ensinou mais sobre mim mesma do que eu poderia imaginar. Esse local de mistérios e beleza também nos ensina que se estivermos dispostos a aprender, a ter paciência, zelo e comprometimento, seremos recompensados com as cores intensas, perfumes e sabores. E nos lembraremos de que a vida é extraordinária exatamente por isso: constrói-se nas delicadezas, na beleza de uma flor, em um ato de amor.

Gigi Eco

A lavanda é minha planta preferida (por favor, não contem para o resto do Jardim). * Lavender is my favorite plant (please do not tell the rest of the Garden).

The Secret Garden Keys

Whenever I need to indicate to someone where I live, I say, “It’s the house with ivy walls” and, mentally I complete for myself, “where is the Secret Garden”. In the work of Frances Hodgson Burnett, The Secret Garden, the protagonist Mary Lennox, after being orphaned and moving to live in her uncle’s mansion (a place full of mysteries), she discovers a garden that had been abandoned for 10 years and the girl decides to recover it.

Unlike the story, in my house the plants are not abandoned (mamma, the faithful gardener, takes good care of them), but when I am there I always feel the aura of mystery and discovery of the Secret Garden of Burnett. Every day there is something new: flowers that bloom, seedlings that begin to grow, giant roses that wish to reach the sky…

I’ve never been the kind of “plant-friendly” person. All the orchids I won needed to be rescued from my house to survive, and the only plant I got along with was the cactus I got from Ca Amatti. I always forgot to water it, but considering its nature that likes a desert climate, it was always showy and green.

In addition to these displeasures and sorrows that the plants faced in my care, my history worsened (and greatly) last year, when I also became a plant killer (and I’m not proud to admit that). My parents traveled for a week and I was responsible for taking care of the plants of our particular Secret Garden. Unfortunately, the exotic plant of purple leaves has dried out due to lack of water. Mamma has left her hanging from a tree to this day, perhaps with the hope that it will recover, or as a reminder to the next time I would be temporarily responsible for the Garden.

All this introduction is important for you, dear readers, to realize how difficult and challenging my task for the whole month of May was: I took up the position of temporary gardener of the Secret Garden. Today, on the last day of my function, I brought the keys of this place full of mysteries and beauty and I will tell you a little of what I learned from this mission.

Bem-vindos ao Jardim Secreto. * Welcome to the Secret Garden.

Every day of May I had to set aside one hour of my day to take care of the plants. Often I went to my task in the morning, others I left for the end of the afternoon. I always liked to start the activities on the side where Mamma left the dead plant hanging from a tree. It was a reminder that I had dozens of living things under my care and that I could not fade away. Forgetfulness could not be part of my daily life, so it was a word I exchanged for a much better one: commitment.

Exupéry already said in The Little Prince:

“It was the time you lost with your rose that made your rose so important.”

Time is a precious coin these days. No one has left, but everyone wants to spend  it surfing the internet. I decided that I would make the most of this one hour a day with nature to reconnect with the Earth and to re-educate myself. I began to repeat to myself that we always need to make time for what really matters: to talk eye to eye with family and friends, to spend time with grandparents, to take care of our garden, to everything we regret not having done when old age comes, to understand our purpose to be here on this blue planet.

Um grande presente: o florescer das orquídeas. * A great gift: the orchids blooming.

Another teaching I learned in this month, when watering the plants, is that the act of caring for plants is one of unconditional love: it is a disinterested gift, an act of respect for the Earth and the Universe. It is the moment when we forget about ourselves and our everyday problems to pay attention in the whisper of the plants. We observe the roots, we touch the soil to see if it is dry, we notice the aspect of the leaves, we spray vitamins.

The plants reward the gardener’s zeal with extraordinary gifts: the blossoming of the flowers of intense colors; the vigor of seasonings, powerful medicines for our food; the ripening of fruits. It is difficult to put into words my joy when the orchids blossomed, or when I could know the small flowers of basil and rosemary, or when I felt the scent of lavender. The Garden taught me more about myself than I could imagine. This place of mysteries and beauty also teaches us that if we are willing to learn, to have patience, zeal and commitment, we will be rewarded with the intense colors, perfumes and flavors. And we will remember that life is extraordinary for that very reason: it is built in the delicacies, in the beauty of a flower, in an act of love.

 

O momento em que as palavras faltam para descrever um presente do Universo. * The moment when words are missing to describe a gift from the Universe.

Gigi  Eco

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.