Uma viagem ao passado

Algumas semanas atrás, fui com minha família almoçar na praia.  O objetivo da viagem era conferir como estava a situação da casa de meus avós e ir preparando aos pouquinhos o lugar para a temporada de verão. Fazia muitos anos que eu não ia para lá.

Enquanto observava os aposentos da casa, eu conseguia ver as infinitas Gigis caminhando pelo lugar. A Gigi criança, entretida lendo os seus gibis. Ou sentada ao lado de seu avô, esperando para roubar as primeiras linguiças da churrasqueira a ficarem prontas. Vi a Gigi comendo iogurte minutos antes de viajar no quintal da casa e tendo a péssima ideia de oferecer um pouco para o Napoleão, o cão, porque ela não aguentava seu olhar pidão. Também espiei a Gigi adolescente deitada por horas na rede, lendo um volume do Senhor dos Anéis atrás do outro. E a Gigi escrevendo em seu diário na mesa de plástico branca da sala que, às vezes, em tempos de sol, ela gostava de arrastar para a frente da casa. Nada melhor do que escrever ao ar livre e acompanhando o movimento da rua.

Saia daí Giovana! Está bem onde encana o vento. Você vai ficar doente!”, minha avó fala.

Não sei mais se é passado ou presente.

Acordo do devaneio.

A memória tem essa capacidade poderosa de nos transportar em segundos para os momentos que já vivemos, dos banais aos mais extraordinários. Ela leva-nos para cenas que nem imaginávamos que seríamos capazes de ainda recordar. É engraçado, mas sempre penso em Matinhos como a praia da minha infância e adolescência. É um lugar carregado de passado, tão carregado que até altera a densidade do ar. É como Proust fala em Em busca do tempo perdido: certos lugares e objetos são receptáculos das mais preciosas memórias.

Foi muito louco vislumbrar todas as Gigis vivendo simultaneamente em um mesmo lugar. Lembrou-me daquela teoria da física quântica de muitos mundos, onde nossas vidas acontecem em universos paralelos. Eu já tinha tido essa experiência a partir da imaginação, onde múltiplas Gigis viviam nos universos mais doidos simultaneamente. Mas nunca tinha vislumbrado a possibilidade de viver todos esses muitos mundos do passado.

Quem sabe a gente é uma máquina do tempo disfarçada. Só precisamos descobrir como manusear os botões para iniciar a viagem.

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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.