Os analógicos contra-atacam

Sabem aquele livro que te reconforta? Que você lê e tem a sensação de que recebeu um abraço apertado? Que te dá a certeza de que o mundo não caminha para o precipício? Esse livro é A vingança dos analógicos: por que os objetos de verdade ainda são importantes, do jornalista canadense David Sax. 
Para alguém que ama livros impressos desde criança, o mundo digital (apesar de seus inúmeros benefícios) é muitas vezes frustrante. Compartilho do pensamento de Sax, quando resgata a paráfrase que Temkin faz de David Foster Wallace: “as mídias sociais digitais são a estética da solidão”. Em tempos de instantaneidade, a gente se deprime por todos os relacionamentos que enfraqueceram em meio a clicks e mensagens do WhatsApp. Pelos encontros de familiares e amigos que se tornam escassos. Por todo o tempo perdido nas redes sociais – instantes que poderiam ser mais aproveitados com a contemplação do céu e das estrelas, com sorrisos e olhares reais.
O que você faria se houvesse uma pane mundial (ao estilo do bug do milênio) e todos os computadores pifassem? E se o mundo instantaneamente ficasse desconectado e nós só conseguíssemos nos comunicar por telefone e cartas? E se todos os dados que colocamos na rede (fotos, mensagens), se toda a nossa memória digital se perdesse em um instante? 
Nesse cenário fragmentado de conexões digitais, o livro de Sax se destaca. É precioso. O jornalista viajou pelo Canadá e pela Itália, consultou inúmeros especialistas e pesquisou em diversos documentos para afirmar: é tempo de vingança dos analógicos, sim! O vinil, o papel, o filme e os jogos de tabuleiro retornaram com intensidade para as nossas vidas. 
As remessas de LPs aumentaram de 990 mil em 2007 para mais de 12 milhões em 2015 nos Estados Unidos, segundo a Recording Association of America. E o crescimento anual permanece alto com taxas de mais de 20%. Músicos e bandas passam a procurar estúdios de gravação analógicos. Os cadernos Moleskine fazem sucesso no mundo inteiro com a sua promessa de potencialização da criatividade. A lomografia impulsionou a fotografia analógica e com a venda da unidade Instax (a câmera instantânea da Fuji), o departamento de imagem da Fujifilm voltou a dar lucro em 2014. Os jogos de tabuleiro voltam a ser procurados e surgem os cafés de jogos de tabuleiro.
Essas são algumas informações que Sax fornece, em meio a entrevistas com especialistas e pessoas envolvidas no universo de cada um desses meios analógicos. A linguagem do livro é simples e envolvente. A obra também te surpreende pelos dados que Sax coletou, os quais derrubam muitos mitos sobre a morte dos analógicos (como a morte do livro impresso, por exemplo).
O livro de Sax nos mostra que mais do que o deslize dos dedos por uma tela, que nos dá acesso a uma vida mediada, a humanidade anseia por mais presença. Por materialidade. Pela proximidade do toque.
O jornalista canadense também nos leva pela vingança das ideias analógicas. Sax discute alguns contra-ataques: do impresso, do varejo, do trabalho, da escola e dos analógicos no digital. Essa segunda parte do livro nos mostra como grandes ideias muitas vezes exigem meios e processos analógicos para a sua concretização, como no caso das escolas, por exemplo.
Esse tópico em particular me emocionou bastante, por ser estudante e professora, por um dos dias mais felizes da minha vida ter sido o primeiro dia de ir para a escola e por ser a louca dos livros que sempre fui. Por isso, em homenagem a todos os nossos mestres (e para deixar vocês com vontade de ler o livro), compartilho esse trechinho da obra com vocês:
“Quando penso nos vinte anos que passei estudando, o que fica na memória não é uma matéria específica, uma ferramenta de aprendizado ou uma sala de aula. São os professores que trouxeram a educação à minha vida e guiaram meus interesses adiante, de forma que a minha paixão pelo ensino continuasse, apesar dos longos dias, das cadeiras duras e dos problemas difíceis. Esta mulheres e estes homens eram gigantes. Eram mal pagos e aguentavam todo o tipo de merda, mas me tornaram a pessoa que sou hoje bem mais do que os fatos que me ensinaram. Essa relação é o que a tecnologia de educação digital não pode reproduzir ou substituir e é por isso que um grande professor sempre irá prover um modelo mais inovador para a educação do futuro do que o dispositivo, o software ou a plataforma mais sofisticados” (p. 240).
A gente vê por esse trechinho que o mundo digital não supre a nossa necessidade de presença. De construir e fortalecer relações humanas verdadeiras. De conexões de carne e osso.
Deve ser por isso que as pessoas andam tão doentes. Talvez porque perderam elas mesmas no fluxo avassalador de dados e informações da rede.
Quem sabe os analógicos são a solução. Eles podem ajudar na nossa recuperação. No nosso reencontro com a gente mesma.
Para quem se interessou pelo livro, segue a referência:
SAX, David. A vingança dos analógicos: por que os objetos de verdade ainda são importantes. Rio de janeiro: Anfiteatro, 2017.
Analogs strike back!
Do you know that book that comforts you? That one do you read and make you feel like you had received a tight hug? The one that gives you the certainty that the world does not walk to the precipice? This book is The Revenge of the Analogs: Why Things and Why They Matter, written by the Canadian journalist David Sax.
For someone who loves printed books since childhood, the digital world (despite its numerous benefits) is often frustrating. I share the thought of Sax when he rescues Temkin’s paraphrase from David Foster Wallace: “Digital social media is the aesthetics of solitude”. In times of instantaneousness, we become depressed by all the relationships that have weakened amid clicks and WhatsApp messages. By the meetings of family and friends that become scarce. By all the time lost in social media – moments that could be better used with the contemplation of the sky and the stars, with smiles and real looks.
What would you do if there was a worldwide crash (like the millennium bug) and all computers crashed? What if the world instantly became disconnected and we could only communicate by phone and letters? What if all the data we put on the web (pictures, messages), if all of our digital memory was lost in an instant?
In this fragmented scenario of digital connections, Sax’s book stands out. And it’s beautiful. The journalist traveled through Canada and Italy, consulted numerous experts and researched several documents to state: it’s time for revenge of the analogs, yes! Vinyl, paper, film and board games have returned with intensity to our lives.
Shipments of LPs increased from 990,000 in 2007 to more than 12 million in 2015 in the United States, according to the Recording Association of America. And annual growth remains high with rates of more than 20%. Musicians and bands start looking for analog recording studios. Moleskine notebooks are a worldwide success with their promise of enhancing creativity. Lomography has boosted analog photography and with the sale of the Instax unit (Fuji’s instant camera), Fujifilm’s image department returned to profit in 2014. The board games are again searched for and the board game cafes come up.
These are some of the information that Sax provides, amidst interviews with experts and people involved in the universe of each of these analog media. The language of the book is simple and engaging. The work also surprises you by the data that Sax collected, which overturn many myths about the death of analogs (like the death of the printed book, for example).
The book of Sax shows us that more than the slip of the fingers by a screen, that gives us access to a mediated life, humanity longs for more presence. For materiality. For the proximity of touch.
The Canadian journalist also discusses the revenge of analogical ideas. Sax discusses some counter-attacks: print, retail, work, school and the analog in digital life. This second part of the book shows us how great ideas often require analogical means and processes for their achievement, as in the case of schools, for example.
This particular topic moved me a lot because I am a student and a teacher, because one of the happiest days of my life was my first day at school and because of the bookworm I’ve always been. So, in honor of all our masters (and to leave you willing to read this book), I share this piece of work with you (it’s my translation of the Portuguese version of the book):
“When I think about the twenty years I’ve been studying, what’s in the memory is not a specific subject, a learning tool or a classroom. It is the teachers who brought education into my life and guided my interests forward, so that my passion for teaching continued despite the long days of hard chairs and difficult problems. These women and these men were giants. They were underpaid and could handle all kinds of shit, but they made me the person I am today more than the facts they taught me. This relationship is what digital education technology can not replicate or replace and that is why a great teacher will always provide a more innovative model for the education of the future than the most sophisticated device, software or platform “(p. 240).
We see by this little fragment that the digital world does not supply our need for presence. For build and strengthen true human relationships. For flesh-and-bone connections.
It must be why people are so sick. Maybe because they lost themselves in the overwhelming flow of data and information from the web.
Maybe analogs are the solution. They can help with our recovery. With our reunion with ourselves.
For those who were interested in the book, the reference follows below:
SAX, David. The Revenge of Analogs: Why Things and Why They Matter.
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Written by Gigi Eco
Gigi Eco ama aprender e faz muitas coisas ao mesmo tempo - é jornalista, fotógrafa, professora, rata de biblioteca e musicista por acidente. Ama viajar e é viciada em chás. É a escritora oficial dos cartões de Natal da família. É Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e atualmente trabalha no seu primeiro livro de poesias.